domingo, 27 de julho de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

DEMOCRACIA 
ALÉM DOS PARTIDOS?

Paulo Afonso Linhares

O Brasil vive, atualmente, a dupla condição de país emergente: na economia é o "B" do quinteto de países que formam o bloco denominado BRICS; na política, começa a se consolidar a segunda maior democracia do planeta, com seus 142.822.038 eleitores (curioso é que os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais concentram 41,6% do eleitorado brasileiro, com 59.388.252 votantes), somente atrás de outro ilustre emergente que é a Índia. No entanto, segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral projeta-se uma situação curiosa e não menos preocupante: somente 15.328.977 pessoas são filiadas a algum partido, um pouco mais de 10% dos eleitores. Periodicamente, devem os partidos políticos  informar  à Justiça Eleitoral nome, título de eleitor e local de votação das pessoas filiadas à sigla.  

E por que esses dados preocupam? Ora, todas as reflexões teóricas acerca da democracia colocam os partidos como os grandes vetores das atividades políticas nas sociedades abertas contemporâneas. Nos Estados democráticos, a preservação e proteção dos direitos e das liberdades civis, individuais, coletivas e suprainduviduais, os cidadãos devem modelar o governo que estabelecerem através das manifestações legitimadoras  da soberania popular, através de eleições livres.

Entretanto, os processos de legitimação do poder nos Estados contemporâneos - caracterizados pela tendência de despersonalização do poder - dificilmente isto terá êxito sem a providencial intermediação dos partidos políticos, que são instituições  que se fundam em ações conscientes e na aprovação dos diversos grupos sociais que se fazem representar. Aliás, são muitos os estudiosos do tema que  não enxergam democracias autênticas sem partidos políticos fortes e atuantes na representação de segmentos da sociedade; alguns até consideram os partidos como aglutinadores de ações políticas mesmo nos Estados não democráticos, a exemplo do constitucionalista Paulo Bonavides, para quem “tanto na democracia como na ditadura, o partido político é hoje o poder institucionalizado das massas”, ademais da circunstância de que  "a legitimidade no poder se relaciona com a necessidade e a finalidade mesma do poder político que se exerce na sociedade através principalmente de uma obediência consentida e espontânea" (cfr. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 267/277).

Os números do TSE apenas revelam algo bastante conhecido empiricamente: os partidos políticos brasileiros são estruturas frágeis e que, ainda, têm menos influência nas ações políticas que determinadas lideranças ("Lula é maior que o PT"...), segmentos econômicos, grupos de pressão e, lastimavelmente, de norte a sul destes Brasis, as velhas e novas oligarquias políticas. Com efeito, os partidos nada mais são que "cartórios" onde se alugam ou se vendem legendas para candidaturas parlamentares ou executivas, bem assim os espaços de propaganda eleitoral de rádio e TV. Um verdadeiro mercado persa, onde o que menos conta é o interesse público.

Outros dados curiosos mostram o ranking dos partidos políticos brasileiros: o PMDB, que é o partido mais antigo em exercício registrado na Justiça Eleitoral,  fundado em 30 de junho de 1981, desponta como a sigla fundado em 1980mais popular, com 2.355.480 votantes (15,3% de todos os filiados no país). No segundo lugar vem o PT, fundado em 1980 e registrado na Justiça Eleitoral em 1982, com 1.589.635 filiados, 10,3% do total declarado pelos partidos. Registrado no TSE em 1995, com 9,2% do eleitorado, o PP é o terceiro partido com maior número de filiados (1.416.188). O PSDB vem em quarto lugar, com 7,8% (1.350.574 filiados). Em quinto lugar vem o PDT, com 1.207.682 filiados. No último lugar, dos 32 partidos registrados no TSE está o PCO (Partido da Causa Operária), fundado em 1997, com apenas 2.659 (0,01%) eleitores filiados. O  PEN, criado em junho de 2012, é o segundo partido com menor registro de filiados, 11.288 ou 0,07%.


Pequeno ou grande, pouco importa, os partidos políticos brasileiros pouca influência têm na formulação das políticas de governo e no cumprimento do papel tradicionalmente reservado à oposição, de fiscalização da gestão governamental. Os partidos políticos - e de resto a própria atividade política e os políticos em geral - são vistos com enorme desconfiança, quando não com indisfarçado desdém, atitudes que recebem enorme reforço dos meios de comunicação e artísticos, mesmo aqueles de cariz conservador. Sem dúvida, grassa na sociedade brasileira, máxime nos setores de classe média, um latente anarquismo que se traduz numa aversão às instituições, a ponto que se lançam em protestos de rua e confrontos vazios de conteúdo políticos, como é o caso dos black blocs. O baixo número de filiados é péssimo sinal porquanto induz a ideia de um déficit de legitimidade que contamina todo o sistema político e agudiza ainda mais a crise da democracia representativa no Brasil. No mais,  é torcer para que haja uma reforma que mude as perspectivas dos partidos políticos e os coloque no lugar em  que efetivamente merece, para que possamos ter uma democracia autêntica e verdadeira. Avante.  

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