CPI BOMBRIL
Paulo Afonso Linhares
Nos países de clima frio, quando as nevascas cobrem de branco campos e cidades, os moleques costumam fazer grandes batalhas com bolas de neve. Cá nestes sertões nossos fazíamos a mesma brincadeira, com as variações e adaptações devidas: na época das chuvas, quando havia, a meninada, depois de construir pequenos açudes nas enxurradas, montava também pequenos exércitos que se enfrentavam em renhidas batalhas de bolinhas de lama; eram tantos meninos enlameados, “vítimas” dessa autêntica e inocente “guerra suja”, que até dava gastura de ver. Bons tempos aqueles! Lama sim, mas, inocente e por que não dizer “pedagógica”, já que essas pugnas lúdicas até ensinavam, posto que inconscientemente, os sentidos das táticas e estratégias dos combates, dos enfrentamentos bélicos e políticos que pontilham a História da humanidade, desde os tempos imemoriais.
As guerras de lama hoje são outras: elas envolvem lideranças políticas, empresários, gestores públicos de vários calibres, tudo formatado por uma imprensa interesseira, aética e vinculada a grandes interesses econômicos. De fora, atônito e mal informado, o cidadão comum finda como joguete nas mãos inescrupulosas daqueles que tentam conquistar o seu voto, tanto para manter o poder quanto mesmo para adquiri-lo, sem medir limites e consequências num vale-tudo que torna a participação política tão imprescindível à construção de espaços públicos imantados pelas ideias republicanas, democráticas e que sobrelevam a cidadania, como algo no mínimo enfadonho, para não dizer, também, repudiável e suspeito.
As táticas dos grupos que controlam a cena política nacional, no governo ou na oposição, são bem singelas e por demais previsíveis: nesses primeiros movimentos das peças no tabuleiro político pré-eleitoral, fazem uma vigorosa guerra de lama e não é como aquela dos meninos interioranos de antanho, de inocentes bolinhas de lama; o lamaçal é bem mais denso e profundamente fétido, porquanto tem como matéria-prima as acusações de corrupção e outras práticas delitivas detrimentosas ao patrimônio público e ao bem-estar coletivo. O rio lamacento de acusações e ofensas mútuas, com direito a horas e horas de bate-bocas nas mais variadas mídias, sem falar nas sessões de ambas as casas do Congresso Nacional e de outros parlamentos estaduais e municipais, terminará desaguado na formação de mais uma comissão parlamentar de inquérito, as famosas CPIs, destinadas a fazer muito barulho por nada.
Neste período que antecede às convenções partidárias para escolha dos candidatos às eleições deste ano de 2014, sobretudo, aqueles que disputarão a presidência da República, os lamaçais de cada lado dos principais polos da arenga – o “povo” do PT e seus aliados, de um lado, e os caciques tucanos e respectivos aliados, do outro, agora, porém, com uma “terceira perna”, que é PSB de Eduardo Campos/Marina Silva – já estão à mostra. A oposição quer implodir ou explodir a candidatura de Dilma Rousseff com essa pandenga da compra da refinaria de petróleo de Pasadena (Califórnia, EUA) e tenta montar uma CPI para apurar como a estatal petrolífera teria arrumado tamanho mico; em contrapartida, os governistas desejam apurar, na mesma CPI, as relações perigosas dos tucanos paulistas nas compras de bens (trens, mais precisamente) e serviços para o Metrô de São Paulo, nos governos de Covas, Serra e Alckmin, além de supostos deslizes do “povo” do PSB de Eduardo Campos nas obras do Porto de Suape, em Pernambuco. Em decisão inicial do presidente do Senado Federal, depois de ouvida a Comissão de Constituição e Justiça da Casa, saiu uma CPI mista para apurar os lamaçais de ambos os lados, governista e oposicionista, como fica difícil até colocar um novo, à míngua de maiores opções humildemente propomos “CPI Bombril”. A referência à marca famosa de palha de aço é apenas para enfatizar esses casos de marcas de sucesso cujos nomes comerciais se transformaram em sinônimo de gênero de produtos. Além do bombril (palha de aço que teria “mil e uma utilidades”, segundo slogan massificado pelas mídias por décadas), isso também vale para chiclete (goma de mascar), gilete (lâmina de barbear), cândida (água sanitária), durex (fita adesiva), band-aid (curativo) e outros.
Explicada a escolha do nome, certo é que a CPI Bombril terá seu destino decido pelo Supremo Tribunal, pois governistas e oposicionistas propuseram ações para resolver o impasse político: respectivamente, CPI de múltiplos temas ou CPI exclusiva para a Petrobrás? As lideranças políticas de ambos os lados querem que o STF decida como será fabricada a lama que jogarão uns nos outros, movidos que estão apenas por espírito meramente eleitoreiro e que, ao fim e ao cabo, nada esclarecerá e ninguém será punido. Enfim, “judicializam” uma questão que é meramente política e que no âmbito do Congresso Nacional deveria ser decidida. Pobre povo destes trópicos sombrios.
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