TEMER: O LEGAL E O LEGÍTIMO
Paulo Afonso Linhares
A modernidade impôs ao mundo jurídico um dilema que não tem solução no âmbito do direito positivo, mas, tão somente naquele campo da filosofia política que abriga a valoração como medida das coisas. Em linguagem mais fácil de decifrar, é o eterno confronto entre o legal e o legítimo. Assim, enquanto para alguns basta que exista a lei enquanto regra de conduta emanada da “autoridade competente”, para outros é indispensável que essa mesma regra tenha origem no consenso majoritário da sociedade, isto é, a partir de um mecanismo que se baseia simplesmente na prevalência da opção comum à maioria dos membros da comunidade política.
Sem banalizações ou sacralizações desnecessárias, não é suficiente a lei formalmente considerada, mas, que a sua origem seja baseada nos valores que representam escolhas valiosas para a maioria dos componentes da sociedade, para colimar esse consenso majoritário que atende pela denominação de “democracia”. Assim, é inevitável lembrar que nem tudo o que é legal pode ser legítimo e muito do que se afigura como legítimo pode não estar nos trilhos da legalidade. Exemplifica-se: com vencimentos que podem ser tido como condignos, numa média de R$ 30 mil por mês, os membros de algumas carreiras jurídicas do Estado (magistrados, membros do Ministério Público, procuradores estaduais etc.) ainda recebem uma verba mensal como auxilio-moradia, de R$ 4.377,73/mês, conforme previsão legal, porém, algo ilegítimo se se imaginar que a maioria dos assalariados deste país, aqueles que têm o ‘privilégio’ de ao menos ter um emprego, aufere apenas R$ 937,00 ao mês e nada recebem como auxílio-moradia.
A legitimação política transcende os aspectos formais do que expressam as decisões tomadas no contexto da democracia representativa. Em razão última, as decisões e atos do Poder Executivo e, sobretudo, do Legislativo, devem expressar aquilo que majoritariamente seja o consenso social. Em primeiro lugar, ressalte-se as dificuldades de aferição desse consenso que, de rigor, necessitaria de um complexo sistema eleitoral. Entretanto, na impossibilidade de utilização mais imediata desses mecanismos, cuja atuação exigem previsão legal e têm alto custo financeiro, valem as aferições aproximativas do que se conhece como “opinião pública”, mormente aquelas expressadas pelo levantamento estatístico com amostra específica da opinião pública.
Isto é lembrado para ressaltar que, na atual conjuntura política brasileira, a despeito do presidente Temer conseguir na Câmara dos Deputados os votos necessários para impedir a apuração da prática de crime pelo STF, há claras demonstrações de que não seria essa a expressão da vontade da sociedade brasileira, a tirar pela rejeição do governo Temer de quase oitenta por cento dos entrevistados pelo Ibope recentemente. Claro, nenhuma dessas amostragens estatísticas podem ser absolutizadas como verdades, mas, não deixam de refletir um cenário do que expressa a enigmática e não menos polêmica opinião pública.
Certo é que, por tudo de vexatório que politicamente vem apresentando a permanência de Temer na presidência da República, em especial os aspectos revelados da prática de crimes comuns a ele atribuídas, o natural seria um elegante e republicano gesto de renúncia. Nada mais dramático ou até trágico de um solitário tiro no peito à Getúlio Vargas. Não, apenas uma solução negociada de transição política até se retormar o caminho da escolha democrática nas eleições presidenciais de 2018.
Claro, não se pode esquecer que a despeito da defenestração da ex-presidente Dilma Rousseff da presidência da República ter sido motivada por típico golpe branco de Estado, a sua substituição por Temer se fez no âmbito da legalidade constitucional, todavia, por isto mesmo com um inequívoco déficit de legitimidade, o que se tornou mais evidente quando configurada a sua conduta criminosa no episódio traduzido na denúncia apresentada pelo procurador geral da República no Supremo Tribunal Federal.
Certo é que Temer, embora com alguns acertos na condução da política econômica, alargou além do que seria razoável o seu direito de conduzir a presidência da República até que fosse eleito um novo supremo mandatário da nação nas próximas eleições presidenciais de 2018, pois, cada vez mais se acentua a ilegitimidade de sua permanência como inquilino do Palácio do Planalto, a despeito mesmo dos previsíveis votos que possa obter em “tenebrosas transações” na Câmara dos Deputados, para atingir o legal, mas, acentuar insuportavelmente a sua ilegitimidade, com a continuidade de uma crise política e moral, com temeroso e imprevisível desfecho. Triste Brasil.
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