Paulo Afonso Linhares
Um trocadilho sim, entenda-se como quiser o título. Toda a pantomima do processo autorizativo, pela Câmara dos Deputados, da abertura de ação penal contra o presidente Michel Temer desaguou no resultado que todos já esperavam. Nada de maior surpresa, algo que se refletia no próprio movimento da Bolsa de Valores de São Paulo que, um dia antes da votação, se manteve num patamar acima de 66 mil pontos. Claro, a máquina de fazer traquinagens do Palácio do Planalto, que andou meio esquecida e enferrujada na era Dilma, funcionou a todo o vapor no aliciamento dos votos que livrariam Temer de um vexatório, desgastante e imprevisível julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, por crime comum, o primeiro caso na História brasileira.
Indiscutível que as acusações contra Temer eram muito graves e lastreadas de provas contundentes. Isto, contudo, não foi suficiente para autorizar o processo de investigação contra Temer no Supremo Tribunal Federal: por fim, depois de mais de 12 horas de sessão, exatos 263 deputados votaram pelo arquivamento do caso e 277 votaram pelo processo contra Temer. Um dado curioso e que depõe contra o resultado, dando-lhe inarrável sensação de farsa, é a circunstância de que cerca de 190 dos 513 deputados que compõem a Câmara Federal respondem a processos criminais no STF, conforme dados divulgados no portal Congresso em Foco, o que “mostra a falência dos políticos e do sistema eleitoral brasileiro”, como asseverou o editor Edson Sardinha.
O resultado traduziu uma grave contradição, na medida em que, segundo pesquisas de opinião divulgadas pouco antes do dia da votação, mais de 80% da população opinou no sentido de que Temer deveria ser julgado pelo STF. E quanto isto custou aos cofres da nação, sobretudo, através da liberação de emendas parlamentares? Estima-se que nada inferior a 5 bilhões de reais, o que impõe enorme desarranjo no inafastável controle das contas públicas, com sérios comprometimentos das medidas de ajuste fiscal.
A imprensa internacional fez duríssimas críticas ao resultado, a exemplo do que opinou o britânico The Guardian, edição de 03.08.2017: "A credibilidade do Congresso do Brasil continuou em farrapos depois de sua câmara baixa majoritariamente votar pela não aprovação de acusações de corrupção contra o presidente Michel Temer - apesar de 81% dos seus compatriotas terem dito, numa pesquisa recente, que eles deveriam.” Outros veículos mencionaram a decisão da Câmara Federal, numa sessão pontilhada de agressões verbais e até físicas, como “espetáculo indigno”, conforme o alemão Der Tagesspiegel, de 03.08.2017, que cita comentário de um observador sobre o resultado da votação: “Se Dilma Rousseff tivesse só a metade da sede de poder e da degeneração moral de Michel Temer, ela ainda estaria no poder." Pano rápido. No entanto, amorteceu essas opiniões o Financial Times, principal jornal de finanças europeu, quando afirmou que o resultado da votação foi uma "vitória histórica de Michel Temer" que traz "novas esperanças a investidores" de que o presidente "dará continuidade ao empacado programa reformas econômicas".
Destaque-se que a decisão da Câmara Federal apenas cumpre exigência do artigo 86 da Constituição ("Admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade"), porém, não extingue a denúncia contra Temer, que prosseguirá após o fim do mandato deste, isto sem falar que o ex-deputado Rocha Loures, coautor dos crimes denunciados, deverá ser julgado antes, o que poderá trazer uma decisão antecipatória de que, fora da presidência, será mesmo nada a Temer e a história irá por outras veredas. Dá para esperar o fim dessa conturbada Era Temer, no já próximo 2018. Assim, nada a temer.
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