domingo, 27 de outubro de 2019

Artigo de Paulo Afonso Linhares:

PACTO FEDERATIVO: CORRIGIR DESACERTOS

Paulo  Afonso Linhares


O modelo federativo implantado pela Constituição de 1988, em alguns de seus importantes aspectos, está irremediavelmente falido e necessita de urgente redesenho. O primeiro desses é a própria estrutura do pacto federativo que, seguindo uma malsinada tradição nacional de centralização do poder na União, destinando-lhe os bens mais expressivos, a competência exclusiva de produção legislativa que engloba uma gama das matérias importantes e, o que é grave, concentra   a arrecadação dos tributos mais importantes e reserva para si,  poder central, a maior destinação de recursos na discriminação  das receitas tributárias. 
Aos Estados e Município foram impostas as políticas públicas mais onerosas da educação básica, da saúde pública e da segurança. Numa visão bem elementar, é justo afirmar que a União Federal ficou com os bônus e deixou os ônus mais ingentes para os Estados e, sobretudo, para os combalidos Municípios brasileiros. Enfim, pesado e medido tudo, a enorme condensação de poder na União finda por caracterizar o Estado brasileiro, na prática, como  unitário, porém, com tinturas federativas.
Por isso é que as sucessivas reformas tributárias, ocorridas após 1988, em nada resolvem os impasses  políticos-institucionais do sistema constitucional. Em primeiro lugar porque a União não aceita perder a sua confortável “parte do leão” no mecanismo de repartição de receitas tributárias, nem assumir parte das competências relativas à educação básica, à saúde e à segurança pública. Daí que, no primeiro caso, deveria assumir a educação do “ensino médio”, deixando aos Estados e Municípios arcar com o “ensino fundamental”; na saúde, a gestão da assistência de média e alta complexidades; na segurança, uma presença mais expressiva nas ações que envolvem o combate ao crime organizado em seus múltiplos aspectos, inclusive aqueles relacionados à permeabilidade das fronteiras brasileiras em face dos tráficos de drogas e de armas. 
Aliás, no que toca a esse aspecto da segurança pública, constata-se o crescimento de facções criminosas aparelhadas de muitos recursos financeiros, de alto poder bélico e que  afrontam o Estado e amedrontam a sociedade. Veja-se, por exemplo, a atuação cada vez mais ousada de bandos fortemente armados que invadem pequenas cidades em todas as regiões deste país, explodem agências bancárias, assaltam carros-fortes, promovem largamente o roubo de cargas, sem que haja uma reposta eficaz por parte do (frágil) aparato de segurança federal e estaduais.  Resulta que, na maioria dos Estados federados, as populações interiorana não têm mais acesso a instituições bancárias, isto num país em que um volume enorme de operações financeiras delas dependem. 
Certo é que muitos dos males que afetam a população brasileira radicam no desequilíbrio federativo do qual resultam gritantes desigualdades regionais. Com efeito, os Estados do Sul e Sudeste, detentores das maiores bancadas no Congresso Nacional e dos membros das assembleias constituintes, aprovam normas que sempre garantem os interesses dessas regiões mais desenvolvidas economicamente, em detrimento dos Estados do Norte e Nordeste brasileiros.  Um bom exemplo disto é a questão do modelo adotado pelo Brasil relativo ao imposto de consumo, o ICMS, que é arcaico, inadequado e, sobretudo, privilegia os Estados mais industrializados na medida em que os recursos arrecadados com esse tributo são divididos entre o Estado produtor (dito “origem”) e o Estado consumidor (“destino”), o que não deixa de ser um enorme absurdo. Ora, a destinação do produto arrecadado à guisa de imposto de consumo deveria ser exclusivamente para o Estado de destino; o Estado que produz os bens de consumo não poderia receber parcela qualquer dos recursos dessa espécie tributária. 
Com efeito, o que há de mais eficiente como modelo de imposto de consumo, adotado pela maioria dos países desenvolvidos da Europa e da América do Norte, é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cuja incidência atinge a despesa ou consumo, porém, somente o valor efetivamente acrescentado pelas transações realizadas, tendo como característica marcante a de ser um imposto plurifásico, vez que sua liquidação se dá em todas as etapas da circulação da mercadoria, da origem ao destino.
Enfim, uma reforma tributária que adote o IVA nos moldes já adotados na Europa e América do Norte, com a tributação no destino, seguramente haveria uma substancial mudança na distribuição das receitas tributárias, privilegiando os Estados consumidores.
Aí reside o grande problema das reformas tributárias tentadas ou realizadas no Brasil: ninguém quer perder um centavo de receita. E os detentores das maiores bancadas no Congresso Nacional freiam todas as possibilidades de  uma justa distribuição das receitas tributárias entre os entes federativos. O resultado mais lastimável é que os Estados menos industrializados e das regiões mais subdesenvolvidas do Brasil, findam por exportar capital líquido para os Estados mais desenvolvidos, com a eternização e agudização das desigualdades regionais que a promessa feita no art 3º, inciso III, parte final, da Constituição Federal, não deixa de ser apenas letra morta. É cada vez mais fica difícil corrigir tantos desacertos. É Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.