sábado, 29 de janeiro de 2011

Artigo de Paulo Afonso Linhares

100 DIAS
PAULO AFONSO LINHARES


     Em política, o número 100 assume ares de cabalístico; serve a diversos propósitos, inclusive para demarcar o tempo de tolerância que merece qualquer governo que se inicia. Foi esse, aliás, o período que Napoleão Bonaparte ficou “exilado” na Ilha de Elba para, em junho de 1815, retornar ao poder imperial numa áurea de glória como jamais experimentara. A partir desse fato, os cem dias passaram a ser o padrão da História. Em suma, quando termina esse prazo que os novos governantes devem dizer a que vieram, mesmo porque é mais do que suficiente para conhecer os problemas e as formas de seu equacionamento. O costume político que gira em torno desses 100 dias manda que o novo governo não seja molestado nem que nada lhe seja exigido antes de completado esse “estágio probatória”, mas, em contrapartida o novo governante é obrigado, também, a “descer do palanque” e dizer concretamente o que vai fazer e acontecer. Não vale ficar a falar do governo anterior, de acusá-lo de cobras e lagartos sem apresentar maiores evidências ou determinar a apuração de responsabilidades.
     Ora, se um novel governante acusa o antecessor de conduta incompatível com o interesse público, sobretudo, nos casos de desvio de recursos públicos, tem o dever inarredável de promover a apuração e, em se confirmando a acusação, pugnar pela punição dos culpados e pela reparação pecuniária em favor do Erário. Ressalte-se, aliás, que isso não é uma faculdade, mas, um dever de que faz as acusações investido que esteja em governo novo. Os argutos construtores do Direito Romano, base dos direitos que vigem nos países mais civilizados, cantavam que nada alegar, ou alegar e não provar são uma única e mesma coisa. Allegare nihil et allegatum non probare paria sunt. Por isso é que, nesse caso, as lorotas e pirotecnias verbais muitos próprias dos palanques de campanha políticas têm pouca valia, são impertinentes na ambientação de um governo que começa.
     Essa verdadeira moratória política que a imprensa decreta em favor dos novos governos – os 100 dias - tem limites: os seus beneficiários, de sua parte, devem evitar fazer marolas. Por isso as palavras devem ser medidas, sobretudo quando veiculadoras de acusações as mais diversas e dirigidas aos antigos inquilinos do poder. O risco de queimar a língua, nesses casos, é algo bem concreto. Claro, esperar que os novos governantes tenham um prazo razoável para governar sem críticas não deve ser interpretado como apenas um “gesto bondoso” dos jornalistas que, em geral, aos gatos (ou, aos donos do poder) dão sempre sebo quente e nada mais. Jornalistas não são bondosos, mas pragmáticos. Em verdade, apenas evitam que os novos gestores públicos possam alegar o pouco tempo como fator dirimente de suas iniciais mancadas.
     Numa palavra, o vencedor da eleição tem mais de três meses para dizer a que veio e para começar a transformar promessas muitas vezes vãs em eficientes ações governamentais fulcradas em políticas públicas bem construídas. Por mais que os políticos despreparados e os burocratas desavisados pensem em contrário, os governos são coisas vivas. Por isso é que cortar combustível de veículos oficiais, reduzir vantagens pecuniárias (às vezes de ínfimos valores) de humildes servidores, aqueles que levam nos ombros os governos, por exemplo, são atitudes que em nada melhoram as finanças públicas ou contribuem para melhorar a eficiência do serviço público. Com efeito, tudo pura e inútil pirotecnia ou, como se dizia em tempos idos, “coisas para inglês ver”. Assim, aguardemos os 100 dias dessa nova fornada de governantes brasileiros, em Brasília e nos governos estaduais.

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