Irmã Dulce e o tumulto
O noticiário tem falado sobre a beatificação da Irmã Dulce, neste domingo, 22 de maio de 2011, em Salvador/BA. São aguardadas setenta mil pessoas na cerimônia que mudará a condição daquela que levou a vida realizado um trabalho de valor inestimável em favor dos menos favorecidos. Sua biografia mostra que aquela freira começou ainda jovem a cuidar dos pobres e doentes. Seis décadas atrás ela improvisou uma enfermaria num galinheiro em terreno onde hoje há um hospital que atende gratuitamente 150 mil pessoas por mês e emprega muita gente que ela amparou. E na forma das leis canônicas, a ela é atribuído um milagre considerado comprovado. Irmã Dulce morreu em 1992, aos 78 anos.
A imagem da nova beata, tão marcante – aparentemente frágil, mas ao mesmo tempo tão forte – faz recordar um episódio vivido nos anos oitenta, em Salvador, quando da realização do Congresso Nacional dos Jornalistas Profissionais. Naquela época eu era delegado do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte e Diretor da Federação Nacional dos Jornalistas. Havia uma disputa muito grande entre os jornalistas ligados aos partidos da esquerda e o Partido dos Trabalhadores – PT, ao mesmo tempo em que todos lutavam pelas liberdades democráticas, eleições livres, pelo fim do regime militar.
Mas nas discussões, a coisa era bem acirrada. Haviam debates acalorados e qualificados entre companheiros da estirpe de Audálio Dantas, Rogério Medeiros, Armando Rollemberg e tantos outros, que muito fizeram nas históricas lutas da nossa categoria. Numa tarde do Congresso de Jornalistas, havia um impasse, um petista subiu à mesa e tomou o microfone para tentar forçar o rumo da assembléia. A platéia discordou do tumulto e partiu para uma imensa vaia: trezentos jornalistas vaiando a mesa no Centro de Convenções.
Estava agendada para aquela mesma hora uma visita de Irmã Dulce, que proferiria uma mensagem aos presentes. Ela chegou pontualmente e, desavisadamente, abriram a porta que dava acesso ao auditório e a introduziram ao recinto. Em meio àquela ovação, lá seguia aquela freira pequena e magra, de vestes brancas, no rumo da mesa dos trabalhos, debaixo de vaia. Rapidamente a platéia percebeu, e numa cena impressionante a vaia foi revertida numa sucessão de aplausos jamais presenciada. O clima mudou completamente e ela fez sua rápida preleção.
Depois que ela saiu, não havia mais aquele ímpeto de desacato, de briga, de enfrentamento violento, pois houvera até alguém com um microfone na mão para passar em outro alguém. A assembléia retomou seu ritmo normal e os jornalistas brasileiros concluíram sua pauta de reivindicações e protestos por dias melhores para o povo brasileiro. Recordo bem aquele momento, em que qualquer um percebia que o destino de Irmã Dulce seria algo além daquele seu trabalho social, que por si só já era uma coisa tão inegavelmente divina.
*Jornalista
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