domingo, 1 de dezembro de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

JUSTIÇA E BOM SENSO

Paulo Afonso Linhares

O açodamento do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal e relator da Ação Penal nº 470, o já célebre "processo do Mensalão", fez antecipar o desfecho dessa novela bufa que já se arrasta por muitos meses. Tudo para satisfazer  a tão temida "opinião pública" sequiosa de punições severas para aqueles, sobretudo os dirigentes petistas, que teriam resvalado no lodaçal da corrupção. Claro, essa "opinião pública" alimentada com informações tendenciosas acerca de um processo por todos desconhecido, sobretudo, a fragilidade das provas que embasaram as condenações de alguns réus, como é o caso do ex-ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República, José Dirceu.

Ora, mais do que todos, sabem os barões das grande corporações midiáticas que uma mentira dita mil vezes a verdade parece. E perece! Já dizia o astuto Paul Joseph Goebbels, marqueteiro oficial de Adolf Hitler. Assim, o STF passou a ser a ponta da lança a fustigar todos aqueles que, com ou sem razão, foram enredados no "processo do Mensalão", cujo propósito verdadeiro seria transformar-se na nova "República do Galeão" para forçar  o então presidente Lula a "getuliar", saindo da vida para entrar, também, na História. Pegar o "sapo barbudo", todavia, mostrou-se uma tarefa ingente e não menos desgastante: a elite conservadora e sua imprensa poderosa vendeu a imagem de um Lula beberrão e manietado por uma camarilha de "auxiliares", comandada por Dirceu, que foram alvejados  um a um (Dirceu, Palocci, Genuíno, Gushiken...), porém, a surpresa foi o crescente fortalecimento de Lula que,  aliás, botou a canalha toda no bolso e até conseguiu eleger brilhantemente sua sucessora na Presidência da República. Isto sem falar que várias vezes quiseram inclui-lo na mesma Ação Penal 470, sem êxito.

O jeito era mesmo se contentar com a degola moral de alguns dos seus mais próximos auxiliares. Foi aí que Dirceu - que sempre cultivou péssimas relações com  os aliados petistas no Congresso e na dita "grande imprensa" - entrou nesse credo a força e por força de uma mirabolante releitura da "Teoria do Domínio do Fato", embora desautorizada pelo Prof. Dr. Claus Roxin, renomado jurista alemão e um dos maiores defensores dessa teoria criada por Hans Welzel, para julgar os crimes cometidos pelos nazistas. Traduzida na tosca visão adotada pelo STF, ela quer dizer mais ou menos que não importa se Dirceu teria diretamente portado as condutas ilícitas que lhes foram imputadas na tonitruante denúncia do Procurador-Geral  da República; sua responsabilidade estaria fixada tão somente pelo dever que teria, em razão do cargo, de ter conhecimento de que o Governo a que servia mantinha regular distribuição de dinheiro a congressistas aliados, para manter folgada maioria em ambas Casas do parlamento nacional. Aliás, entrevistado pela  imprensa brasileira,  O Prof. Roxin afirmou que essa posição nada teria a ver com formulações teóricas de Welzel e sistematizadas por ele próprio.


Claro, não é propósito destas linhas domingueiras discutir tão complexa teoria jurídica, mas, apenas noticiar a sua perversão - reconhecida claramente por Roxin - para dar esteio às condenações criminais imbuídas de propósitos políticos. E foi, inegavelmente. Agora, "todo mundo tá feliz, tá feliz", como diz  a edificante canção de Xuxa, já que Dirceu e Genoíno foram para o complexo penitenciário da Papuda, em regime semi-aberto. Entretanto, decerto para maior indignação dos barões das mídias, Genoíno foi mandado cumprir sua pena em prisão domiciliar, por motivo de saúde, e José Dirceu conseguiu um bom emprego num hotel de Brasília e passará, lépido e fagueiro, seus dias fora da prisão. E não era bem isso que os inimigos do PT queriam, para os quais, lembrando mais uma vez as palavras do poeta Horácio, a montanha depois de tanto rugir conseguiu apenas parir um ridículo rato. E uma dura lição: a preocupante precarização dos direitos fundamentais relativos à liberdade, sobretudo, tocante às garantias constitucionais do processo, levada a efeito pelo STF no julgamento do processo do Mensalão. Agora é torcer para que esse precedente judicial possa esvair-se em si mesmo, em favor do bom senso e da segurança jurídica.

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