sábado, 27 de novembro de 2010

Artigo de Paulo Afonso Linhares

DE PEREGRINOS E ROCK`N ROLL

PAULO AFONSO LINHARES


Incompreensíveis. Jamais pude compreender claramente o espírito dos peregrinos e das peregrinações dos romeiros nordestinos que buscam o Juazeiro do Padim Ciço, as peregrinações em massa a basílica monumental de Aparecida, no interior de São Paulo, e as do Círio de Nazaré, no outro extremo do Brasil, em Belém do Pará, isto sem falar naquelas mais sofisticadas a Lourdes, na França, Fátima, em Portugal, ou mesmo aquela que é a mãe de todas as peregrinações, que é a obrigatória ida à Meca, na Arábia Saudita, obrigação religiosa inafastável de todo verdadeiro muçulmano que, anualmente, se reúnem na enorme praça onde está a pedra da Kaaba, o sagrado monumento dos seguidores do profeta Maomé, cujo toque pela mão do crente completa a devoção dos mais de seis milhões de pessoas que a buscam no mês de Ramadã, ajuntamento enorme que muitas vezes resulta em centenas de mortes em razão de tumultos que provocam verdadeiros estouros da multidão e o pisoteamento dos mais frágeis.

Incompreensível espírito de peregrino, até me ver, eu próprio, na pele e hábitos de um autêntico peregrino. Não, não fui à Meca nem participei de nenhuma dessas romarias comuns aos católicos mundiais, um tanto por pura e saudável preguiça, uma tanto mesmo pela pouquíssima fé. Não, igualmente jamais percorri o famoso Caminho de Santiago de Compostela ou qualquer outro assemelhado. O que ainda seria muito para um cristão de fé tão curta. Não cheguei a tanto, diga-se en passant. No entanto, de repente me vejo metido até o pescoço numa peregrinação de tipo diferente: andar alguns milhares de quilômetros, cerca de quatro horas de jato, para ver e ouvir o beatle Paul McCartney em pleno Estádio do Morumbi, em São Paulo, nessa que pode ser a sua primeira e última temporada no Brasil.

Sim, milhares de admiradores dos Beatles não quiseram perder uma oportunidade histórica de  ver uma das três apresentações brasileiras da curta temporada de Sir Paul McCartney que, ao lado do falecido John Lennon, compunha a dupla de cuja autoria era mais de noventa por centos das músicas tocadas pelos Beatles e que marcaram várias gerações, no mundo todo. Quando o famoso quarteto de Liverpool resolveu dissolver-se, Paul buscou novas parcerias, inclusive para alguns shows que se tornaram antológicos, como ocorreu relativamente ao não menos famoso cantor Michael Jackson. O seu destino, todavia, era mesmo uma carreira solo,  com a continuidade de sua a vida como compositor de grandes hits.

Assim, milhares de brasileiros de quatro ou cinco gerações foram ouvir esse que ainda é o papa do rock’n roll. Um santo vivo, no sentido mais legítimo do termo, inclusive por sua pregação ecológica em favor dos animais do planeta. No belíssimo espetáculo do dia 21, no Morumbi, foi um deslumbre só, inclusive o comovente tombo de um McCartney que, no fundo do palco, corria enrolado numa bandeira brasileira. Aliás, contrariamente dos peregrinos muçulmanos - aqueles que, a cada ano, escapam de morrer pisoteados - que têm o direito de alisar a Kaaba, os fãs do mais que sexagenário inglês - esse genuíno São Paulo Macartney, para dar um aportuguesadazinha básica no nome desse santo roqueiro -  vão vê-lo de muito longe, do tamanho de um palito de picolé, ficando somente ao alcance de um potente binóculo, mas certamente terá valido a pena, a despeito de todos os percalços e confusões causados pelas inescrupulosas agências de viagens e seus pacotes demoníacos, pois, afinal, a alma do peregrino nunca é pequena.                                                 

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