PEDRA, CEBOLA E TOMADA
PAULO AFONSO LINHARES
O ofício de quem vive da escrevinhação jornalística não pode imaginar que sua pena seja mensageira de grandes feitos; estes, aliás, são a exceção pois o feijão-com-arroz das redações, o normal de todas as pautas, é o prosaico, o fato comum, a trivialidade da vida. Mesmo um grande poeta, um desses "premionobelados", tem no comum das coisas o foco de suas lentes poderosas. Drummond, p. ex., gastou uma enorme inspiração para escrever o seu famoso "[...] Nunca me esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas tão fatigadas. /Nunca me esquecerei que no meio do caminho/tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho/no meio do caminho tinha uma pedra". (Este ponto acrescentei eu próprio, pois não há ponto final "No meio do caminho" de Drummond. Só uma pedra...). Então, que há de mais corriqueiro que uma pedra. E mais no meio do caminho.
Acho que Neruda, nesse pormenor, supera Drummond, mesmo porque a pedra que está no meio do caminho poderia ser um seixo desvalioso, mas, igualmente, é possível fosse algo de grande magnitude como o diamante Presidente Vargas, de 726,6 quilates, o maior das três Américas, descoberto em 1938, no Município de Coromandel, na Gerais, ali a exatos 577 km da Itabira do mestre Drummond (se for pela BR-262, o caminho mais perto!). Claro, mesmo sem fuçar as tantas fortunas críticas escritas sobre o poeta mineiro e sua obra (que mereceu um nobelzinho, sem dúvida, mas não ganhou...), acho que a pedra é muito pior do que todas as que possamos imaginas, do seixo sem valor a um belo diamante: a pedra é o paquidérmico atraso do Brasil, o atrelamento colonialista aos modismos do pensamento e da arte europeia e, agora, norte-americana, no primeiro quartel do século XX, visto sob a ótica de um dos mais destacados modernistas brasileiros, embora não tenha participado da Semana de Arte Moderna de 1922 (era enorme a sua sintonia com as principais lideranças do movimento, à frente o escritor Mário de Andrade, que pariu Macunaíma) comungava do ideário antropofágico, posto que mantendo algumas restrições ( o poema No meio do caminho veio a lume na Revista de Antropofagia, de 1928, e foi incluído no livro Alguma poesia, de 1930.
Conversa comprida esta. Afinal, o que diabos fez Neruda? Ora, nas suas Odas elementales (de 1954), ele escreveu uma Oda a la cebolla (Ode à cebola). Superou a si próprio quando escreve um longo poema de amor a uma cebola, que começa por dizer: "Cebolla/luminosa redoma,/pétalo a pétalo/ se formó tu hermosura,/escamas de cristal te acrecentaron/ y en el secreto de la tierra oscura/ se redondeó tu vientre de rocío." Ou, na língua de Camões: "Cebola/luminosa redoma,/ pétala a pétala/se formou a tua formusura;/escamas de cristal te acrescentaram/ e no segredo da terra escura/se tornou redondo o teu ventre de orvalho. Grande Neruda. Imagine só, uma cebola como musa? Logo cebola, de que tanta gente tem asco. Bom, mas é aí que se revela o grande artista...
E eu, que escrevo todas essas coisas para dizer sobre o prosaico que é descer a lenha em mais uma besteira paquidérmica do Brasil, um engodo a mais que os burocratas de Brasília impõem ao povo brasileiro, que é a adoção dessa tomada elétrica tripolar, porém, não mais que de repente, a folha A4 se acaba e tenho que parar por aqui, para caber neste espaço domingueiro. Agora todos nós atarantados a buscar adaptadores para a novidade. Alguém comeu alto nessa patranha mal-ajambrada. Coisa absurda sim, desnecessária, um custo enorme imposto à nação essa, com o perdão do leitor, tomada de merda etc. etc. etc. Até domingo.
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