DE “MOROS Y CRISTIANOS”
Paulo Afonso Linhares
Nas últimas quatro décadas visitar Cuba foi sempre uma ambicionada rota turística dos latino-americanos, inclusive, os brasileiros. Claro, na “Ilha” pouca coisa interessante para ver: a praça e o museu da Revolução em Havana, a casa do escritor Ernest Hemingway, o bar El Floridita e o restaurante La Bodeguita del Medio, em cujas paredes os turistas escrevem seus nomes. No cardápio de La Bodeguita há um prato de origem espanhola muito apreciado: “Moros e Cristianos”, uma mistura de arroz e feijão preto cozidos com alguns pedaços de carne de porco. O susto é apenas o que se paga por essa iguaria meio exótica, pois, de resto, não passa de uma espécie do “baião-de-dois” tão brasileiro-nordestino ou do “rubacão”, como preferem chamá-lo os paraibanos. Aliás, essa comida bem reflete o imaginário ibérico construído culturalmente à sombra da contraposição entre os mouros (árabes, muçulmanos) e os cristãos.
Aliás, é interessante lembrar como a influência árabe (moura) marca o mundo ibérico constituído por Espanha e Portugal, além das nações nascidas como colônias desses países em todos os continentes, sobretudo, na América do Sul. E isto tudo vêm à mente em face dos desarranjos político-institucionais por que passa, neste momento, o Brasil, além do desastre cada vez mais aparente da economia que rola ladeira abaixo. Enfim, um genuíno baião-de-dois que tem, de um lado, o juiz federal que atua no Paraná, Sérgio Moro, responsável pela “Operação Lava-Jato” em que são apuradas fraudes em licitações da Petrobrás e pagamento de propinas a ex-diretores dessa estatal, a partidos políticos e personalidades da política brasileira, inclusive, os atuais presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e, do outro, um expressivo grupo de gestores de grandes empreiteiras da Petrobrás, acusados (e presos provisoriamente!) como corruptores. E a sombra de muito dinheiro que desceu pelo ralo da corrupção.
Em verdade, os mais de cinco séculos da colonização portuguesa nesta parte do mundo são marcados pela prevalência de instituições jurídico-políticas matizadas pelo paternalismo, pelos privilégios de poucos em detrimento do coletivo, pela privatização da coisa pública em prol de uma elite despudorada, medíocre e não menos perversa. Já na famosa carta encaminhada ao rei de Portugal (Dom Manuel, o venturoso) em que narrava a descoberta de um vasto e rico território “onde se plantando tudo dá”, o hábil escrivão Pero Vaz de Caminha aproveitou o ensejo para pedir empregos para dois de seus sobrinhos... Daí em diante foram gradativamente aperfeiçoadas as técnicas e práticas do assalto aos dinheiros públicos, no Brasil, fazendo seu povo padecer de extorsões e tiranias ao longo de sua tortuosa história.
É bem certo que, nestes Brasis, vivem-se momentos difíceis, de enormes sobressaltos. Do que havia de certezas restou, no máximo, uma magra penca de talvezes. E está tudo muito enevoado para prever o que ocorrerá no dia seguinte ou mesmo na próxima hora. Essa avalanche de pessimismo passará, com superação das adversidades para prevalecer a razão e o bom senso, porquanto, no fim desse túnel de incertezas e desalentos que sufoca a nação, decerto brilhará a esperança de que, do processo histórico ora vivenciado, poderá emergir um Brasil melhor.
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