CASUÍSMOS E GAMBIARRAS DA POLÍTICA
Paulo Afonso Linhares
As observações atentas acerca das movimentações políticas deste país, nas últimas cinco décadas, dão a firme convicção de que uma das características mais presentes no agir dos atores políticos é a inafastável propensão à incoerência; é como se a coerência político-ideológica fosse um pesadíssimo fardo a carregar. Isto cai como uma luva no caso do parlamentarismo, sistema de governo que merece entusiásticas defesas de políticos fora do poder, porém, quando a este acessam se tornam empedernidos defensores do oposto, que é o presidencialismo. Por oportuno, diga-se que, em tempos recentes, este pecado atingiu igualmente petistas e tucanos, só para ficar no velho fla-flu da política brasileira: na oposição, ardorosamente são parlamentaristas desde criancinhas; no governo, usam e até abusam dos pendores imperiais do presidencialismo, sobretudo, da perversão deste conhecida pomposamente como “presidencialismo de coalizão”. De gustibus non este disputandum, ou na língua de Camões, gosto não se discute. Simples assim.
Qual dos dois sistemas é melhor? A resposta não é assim tão simples, porquanto ambos têm suas vantagens e insuficiências. O presidencialismo enfeixa numa só pessoa os poderes de chefia do Estado e do governo, razão, porque a figura presidencial, no entendimento de Sérgio Henrique Abranches – que cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão”-, exerce um “um papel crítico e central, no equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão.” Obviamente, quando o presidente da República deixa de ser essa referência, uma crise política difícil de debelar se instala, com consequências quase sempre desastrosas, pois, não dispõe esse sistema de governança algo parecido com aqueles pequenos sensores que detectam fogo e passam a espargir água para apagá-lo.
Em suma, uma crise irresolvida e aprofundada pode não apenas derrubar o governo, mas, até podem suprimir as garantias jurídico-políticas do cidadão, inclusive, as instituições democráticas. No parlamentarismo, quando a crise política chega a determinado nível, o governo naturalmente é dissolvido, cabendo ao chefe de Estado nomear outro ou, em casos mais graves, convocar novas eleições para o parlamento.
O que parece inadmissível é a adoção de um desses sistemas de modo casuístico, como atalho para resolver certas crises políticas. No Brasil todos adoram o presidencialismo imperial mais uma vez confirmado pelos constituintes de 1988. Quando, todavia, uma crise política se instala no governo da República e há corrosão da autoridade presidencial, todos gritam uníssonos: a solução é o parlamentarismo! Claro, aí sempre apresentado como panaceia para todos os males políticos, administrativos, econômicos, hemorróidicos etc.
Foi assim que utilizaram o parlamentarismo para resolver a grave crise deflagrada pela renúncia do presidente Jânio Quadro, em 21 de agosto de 1961. Para evitar que o seu vice-presidente, João Goulart, assumisse à presidência, os caciques dos velhos esquemas conservadores da política brasileira encomendaram a fórmula salvadora aos juristas que lhes serviam. Foram rápidos e preciso: com cirúrgica mudança no texto constitucional, Goulart assumiria apenas como “chefe de Estado”, pois, o governo, seria comandado por um primeiro-ministro escolhido pelo Congresso Nacional. O que veio a seguir todos sabem: com um plebiscito realizado em janeiro de 1963, o insosso parlamentarismo foi colocado na lata do lixo e Goulart passou a exercer plenamente as funções de chefe de governo e de Estado, contudo, foi isto o estopim para sua queda em 1º de abril de 1964.
Em face da crise política que o governo Dilma atravessa, com essa espada de Dâmocles que o pedido de impedimento da presidenta ora em tramitação na Câmara dos Deputados, começam a pipocar as propostas mais estapafúrdias de sistemas de governo: uns, a exemplo do atual presidente do Conselho Federal da OAB, Marcos Vinicius Coelho, propõem o “semi-presidencialismo” (que na visão do cientista político francês Jean Massot se traduz como uma “diarquia hierárquica”, sendo diarquia porque o governo é exercido em conjunto pelo presidente da república e pelo primeiro-ministro e hierárquica na medida em que o presidente pode determinar ao primeiro-ministro como compor o governo e o rumos das grandes linhas políticas do Estado, tudo a depender da correlação de forças no âmbito do parlamento).
Outros, porém, defendem algo que imprecisamente denominam de “semi-parlamentarismo”, ou seja, um sistema em que o governo é de um parlamento com poderes mitigados e que tem relevo a figura do presidente. Do ponto de vista prático, a diferença entre ambos é nenhuma; como o sustenido e o bemol de duas notas musicais vizinhas. O que pretendem mesmo é capar certos poderes da presidência da República para atribuí-lo ao Congresso Nacional, porquanto, seria esse o passaporte para o Brasil sair da crise política, o que não passam de mal-ajambradas gambiarras que, ao invés de resolvê-la poderá agravá-la ainda mais. Enfim, uma discussão inadequada e fora do tempo.
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