domingo, 16 de janeiro de 2011

Artigo de Paulo Afonso Linhares

REFORMA POLÍTICA URGENTE
PAULO AFONSO LINHARES

             Nas duas últimas décadas, após o fim do regime militar, tivemos cinco presidentes eleitos (alguns reeleitos) pelo voto direito e secreto dos brasileiros. Não foi um processo linear nem livre de muito atropelos, inclusive o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, posto que um fato político de grande relevância, em nada quase abalou as instituições nacionais  (os três poderes da República) envolvidas. Visível mesmo é que nesse meio tempo a superestrutura jurídico-político do Estado brasileiro, a despeito da manutenção do perfil traçado na Constituição de 1988,  experimentou a consolidação de um modelo institucional que teve passagem inequívoca pela realização de eleições sucessivas e bianuais, para escolha de representantes nas três esferas de organização do poder no Estado brasileiro, do vereador ao presidente da República.
            Esses avanços pontuais do sistema eleitoral - que não podem ser confundidos jamais com a reforma política que a sociedade brasileira reclama - a se traduziram em várias facetas. O primeiro foi a adoção de um conjunto de mudanças no marco regulatório das eleições brasileiras, com o advento da Lei  nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (e suas posteriores alterações impostas pelas Leis nº 9.840, de 28.9.1999, nº 10.408, de 10.1.2002, nº 10.740, de 1º.10.2003, e nº 11.300, de 10.5.2006), que estabeleceu normas para as eleições e teve um papel de estabilizar, pela primeira vez na história republicana, o chamado Direito Eleitoral, não faz muito tempo, sempre tão sujeito às intempéries dos casuísmos e vícios criados ou mantido para atender aos interesses dos donos do poder (mantida a famosa caracterização trazida a lume por Raymundo Faoro, autor da obra clássica da sociologia brasileira Os donos do poder, edição da Editora Globo, de Porto Alegre, em 1958, a qual não apenas utiliza alguns dos  conceitos de Max Weber, mas constitui um marco para o entendimento da estrutura patrimonialista herdada pelo Estado brasileiro do colonizador português, estabelecendo esse pensador uma influência que seus antecessores não lograram ter).
            O segundo se condensa nas profundas mudanças dos procedimentos de alistamento eleitoral (que findou por constituir um dos bancos de dados sobre o corpo eleitoral brasileiro, um dos mais volumosos, completos e confiáveis do mundo), de coleta de voto através de urnas eletrônicas (pelo método não-remoto, ou seja, com a tomada do voto do eleitor a partir de seções eleitorais, as polling station dos ingleses e norte-americanos), estas em constante processo de aperfeiçoamento, e de apuração dos pleitos eleitorais, através de uma rede integrada de computadores da Justiça Eleitoral brasileira, que possibilita o conhecimento do resultado de uma eleição de âmbito nacional  (melhor até seria dizer "continental") que envolve um corpo eleitoral de 135,8 milhões de brasileiros que estavam aptos a votar na eleição de outubro de 2010. Aliás, de acordo com os números divulgados ontem pelo TSE, houve um aumento de 7,8% no eleitorado brasileiro em relação ao pleito de 2006, quando 125,9 milhões de pessoas estavam inscritas para votar.   
            O terceiro foram as medida de efetivo combate ao abuso do poder econômico e político nas eleições, com a proibição  de certas atividade como os chamados "showmícios", os excessos cometidos nas propagandas eleitorais, além da exigência de uma rigorosa prestação de contas a cargos de partidos e candidatos realizada online. Apesar de todos empenho da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral, muito caminho ainda se tem para andar nesse rumo.
            Com efeito, no início de mais uma governo democraticamente constituído, a expectativa é de que saia a tão esperada reforma política, a cargo do Congresso Nacional, mas dependente da vontade política da atual inquilina do Palácio da Alvorada. O presidente Lula, em entrevista à imprensa nacional, certa vez afirmou que o principal erro dos seus 8 anos de governo foi não ter iniciado com a reforma política que, no caso brasileiro, seria a revisão do modelo representativo e das formas legitimadoras da representação política, ademais da efetivação dos instrumentos de realização da democracia direta e semidireta já implantados na Constituição (plebiscito, referendo e iniciativa popular de projeto de lei - art. 14, I, II e III, respectivamente) e da adoção de outros (o recall e veto popular). Esse erro tornou menor o governo Lula, sobretudo porque as eleições brasileiras, embora consolidando as instituições democrática, não tem ajudado a melhorar a qualidade da representação política solidamente chantada no patrimonialismo e nas formas clientelísticas de captação do voto, no que resulta na literal compra da maioria dos mandatos eletivos. Até que ponto vai ser possível mudar isso pode ser o passaporte para o futuro ou o bonde para o passado. A presidente Dilma e o Congresso Nacional dão as cartas. Façamos nossas apostas.  

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