A ONDA DO BULLYING
PAULO AFONSO LINHARES
Faz parte do nosso modo de ser (brasileiro) esse forte apelo à condição de colonizado, sobretudo quando se tratar de enxertar no nosso idioma palavras e expressões estrangeiras, como símbolo de status. Num país em que grande parte da população não lê nem a bula dos remédios que consome profusamente e sem receita médica, as pessoas se gabam por falar uma língua estrangeira, geralmente o inglês. Em países mais desenvolvidos, falar dois ou três idiomas além do nativo é algo corriqueiro e que se aprende na escola regular. Neste momento, na grande imprensa brasileira – que mais tenazmente difunde esse espírito colonizado – só fala desse tal de bullying, que nada mais é que, segundo reza a Wikipédia, aqueles atos “de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (do inglês bully, tiranete ou valentão) ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender.” Os casos de bullying são bem comuns nos ambientes frequentados por crianças e adolescentes, sobretudo nas escolas.
Desde os tempos imemoriais que indivíduos ou grupos “bolem” (do verbo indireto bulir, no sentido de fazer caçoada; brincar; zombar; que, gráfica e foneticamente, se parece com a palavra anglo-saxônica bullying, por mera coincidência) com outros nos ambientes coletivos, mormente nas escolas e, sobretudo, em face das pessoas que física ou psicologicamente trazem características capazes de dar azo às zombarias, revelando o lado perverso da agressão gratuita exercida reiteradamente contra alguém indefeso. Claro, o bom remédio contra essas pequenas, mas, extremamente marcantes agressões e zombarias, é a educação para a cidadania; são as lições que têm como eixo o respeito à dignidade das pessoas e às inevitáveis diferenças que nos caracterizam e tornam tão interessante a vida coletiva (imagine-se, por exemplo, se todas as mulheres tivessem os lábios, o rosto, os seios, as pernas... da Angelina Jolie, ou tivessem os homens o rosto e demais petrechos físicos de um Brad Pitt? Seria monótono demais viver.)
Em suma, uma postura humanística no rumo do pensamento do poeta latino Terentius (185-159 a .C.): “sou homem; não considero alheio a mim nada do que é humano” (Homo sum: humani nihil a me alienum puto.). Ou, para bem simplificar, basta a aprendizagem do exercício do mandamento do amar o próximo: a Bíblia diz em Mateus 5:43, 44 “Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem.” Esse amor ao próximo – até mesmo os inimigos e perseguidores – se traduz no respeito ao outro, com todas as suas circunstâncias. Afinal, o homem é o homem e sua circunstância, como ensinava o filósofo espanhol Ortega y Gasset. O respeito ao outro é, com efeito, o respeito às suas circunstâncias. E quem respeita o outro em sua diversidade circunstancial, dele não zomba, não caçoa, não agride, enfim, not bullying.
Tudo isto de nada vale se o foco da questão for outro, o da resolução do bullying simplesmente pela contraposição da valentia, da agressão, do desrespeito, na antiqüíssima noção latina de que, nas palavras do jurista Ulpiano, é lícito repelir a violência com a violência ("Vim vi reppelere licet".). A propósito, nessa linha de raciocínio, estão divulgado cartazes de um programa anti-bullying, ilustrados com várias criancinhas de quimono: é o Gracie kids, ensino da arte marcial japonesa Jiu-Jitsu para crianças, objetivando treiná-las para resistir e reagir à altura diante de qualquer agressão física ou psicológica. Claro, na maioria dos casos de assédio, de bullying, é comum aos mais jovens resolver as coisas no tapa, o que decerto não é o caminho mais acertado. Sem dúvida, a senda da não-violência deve ser buscada, sobretudo porque, como constata o poeta francês Paul Valéry, “nós, civilizações, sabemos agora que somos mortais (Nous autres, civilisations, nous savons maintenant que nous sommes mortelles). Afinal, calma e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
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