A DEMOLIÇÃO DO CNJ
Paulo Afonso Linhares
Uma das mais importantes instituições republicanas de criação recente, no Brasil, é induvidosamente o Conselho Nacional de Justiça. Instituído em obediência ao que determina o art. 103-B da Constituição Federal, o CNJ foi criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, na condição de órgão do Poder Judiciário com sede em Brasília/DF e atuação em todo o território nacional, "[...] que visa, mediante ações de planejamento, à coordenação, ao controle administrativo e ao aperfeiçoamento do serviço público na prestação da Justiça", conforme se lê no frontispício do seu portal na Internet.
O CNJ surgiu mais ou menos a partir da constatação, pela cúpula do Poder Judiciário brasileiro, de que surgiria um "órgão de controle externo" para atuar contra si, composto obviamente, também, por pessoas estranhas à magistratura nacional. E se antecipou com a criação do CNJ, como que seguindo aquele conselho de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, político que governou Minas Gerais na época da República Velha, cujo pensamento (reformista) sintetizava-se na frase "Façamos a revolução antes que o povo a faça".
Alguns importantes segmentos da sociedade civil, a exemplo da própria Ordem dos Advogados do Brasil, aspiravam por algo bem incisivo que o CNJ e que impusesse um efetivo "freio" ao Poder Judiciário, numa versão decerto mais radicalizada - de controle externo efetivo! - que a Teoria dos Freios e Contrapesos ("Checks and Balances"), desenvolvida pelos pais da nação norte-americana a partir da matriz de Montesquieu, no "Espírito das Leis", para quem a tripartição de poderes seria um sistema “em que um controla o outro e em que cada órgão exerce as suas competências [...]. A tripartição, portanto, é a técnica pela qual o poder é contido pelo próprio poder, um sistema de freios e contrapesos [...], uma garantia do povo contra o arbítrio e o despotismo”.
O processo de consolidação do CNJ, nesses seis poucos anos de existência, passou por altos e baixos: surgiu na presidência do ministro Nelson Jobim com uma atuação forte e que fez acender luzinhas amarelas em muitos gabinetes de poderosos magistrados; na presidência da ministra Ellen Gracie permaneceu uma versão "light" do estilo Jobim, com a elegância parcimoniosa que caracterizam essa jurista gaúcha, porém sem avanços mais significativos; na presidência do ministro Gilmar Mendes teve o seu melhor momento, até agora, porquanto ganhou estrutura (e musculatura) enquanto instituição, ademais da atuação incisiva do ministro Gilson Depp na condição de Corregedor Nacional de Justiça; e, finalmente, a presidência do ministro Cezar Peluso, cujo término ocorrerá em 2012, marcada pela "desaceleração" do CNJ e, neste momento, pela ameaça de literal demolição do que fora construído até agora, porquanto tem sido alvo constante das poderosas entidades representativas dos magistrados, as "três irmãs" - as associações dos Magistrados Brasileiros (AMB), dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
As "três irmãs" fazem, atualmente, um "tour de force" contra a ministra Eliana Calmon, atual Corregedora Nacional de Justiça que depois de ter dado declarações bombásticas contra magistrados, agora deseja investigar-lhes os contracheques. Em face disso, ajuizaram recentemente, no Supremo Tribunal Federal, mais uma ação de inconstitucionalidade contra competências do Conselho Nacional de Justiça que visam à punição de juízes e desembargadores em processos administrativos disciplinares, por atos de corrupção.
Desta feita, essas entidades contestam o dispositivo do Regimento Interno do CNJ (artigo 8º, inciso V), que permite à Corregedoria-Geral da Justiça — atualmente ocupada pela ministra Eliana Calmon — “requisitar a autoridades monetárias, fiscais e outras mais, como os Correios e empresas telefônicas, informações e documentos sigilosos, visando à instauração de processos submetidos à sua apreciação”. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski concederam liminares em face do CNJ que, na prática, podem paralisar o seu funcionamento. A sua demolição está em curso e isso dificilmente favorecerá o avanço das instituições do Poder Judiciário brasileiro. Um enorme retrocesso, sem dúvida alguma, que, em vista dos postulados republicanos e democráticos, nos fará bem mais pobres do que somos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.