domingo, 13 de janeiro de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

DE GIRO A JIRAU



Paulo Afonso Linhares



O ativismo judicial é um dos males que enfraquecem, atualmente, as instituições republicanas brasileiras. No entanto, o ativismo judicial tem facetas positivas, uma das quais se traduz na colmatação de indesejáveis lacunas jurídicas, propositadamente legadas pelo Congresso Nacional que, após a promulgação da vigente Carta constitucional, não se deu ao trabalho de produzir as mais de duas centenas de leis complementares e ordinárias exigidas pelo texto constitucional para complementá-lo. A despeito de aceitar a tese da eficácia plena e imediata das disposições constitucionais, fato é que uma realidade se impõe: quando o texto constitucional remete o detalhamento à norma infraconstitucional, a sua efetividade somente se completa quando vem a lume a lei complementar ou a lei ordinária, conforme o caso, trazendo os elementos procedimentais, processuais ou até interpretativos capazes de efetivar o mandamento da Constituição.



 O Congresso Nacional deixou de legislar sobre a questão da nomeação de parentes para cargos públicos de provimento em comissão, pelos gestores das três esferas federativas. Em suma, omitiu-se na elaboração dessas regras que atenderiam diretamente ao espirito da Constituição, como decorrência da aplicação de dois princípios contidos no caput do seu artigo 37, o da moralidade e o da impessoalidade. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) "conforme a Constituição" e, posteriormente, as interpretações emanadas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), edificaram o arcabouço pretoriano para enfrentamento desse que é um dos vícios mais fundamente arraigados no serviço publico brasileiro, o nepotismo, palavra derivada de "nepote" (que em latim significa sobrinho) e que denomina essa mania tão ibérica de se colocar parentes em cargos públicos. Aliás, esse vício vem de longa data: na carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao El-Rei Dom Manoel, o Venturoso, após descrever a grande descoberta da terra que depois chamariam de Brasil, candidamente pediu o favor real de empregos para dois sobrinhos seus...



 Na linha interpretativa do CNJ foi deixada uma enorme brecha para a perpetuação do nepotismo nestas paragens, com abusos que subvertem o espirito republicano: se um governador de Estado (ou um prefeito municipal) nomear um parente de terceiro grau para cargo comissionado do quinto escalão de governo, comete nepotismo; se, porém, esse mesmo parente ou até outro de grau mais próximo, for nomeado para o primeiro escalão de governo (secretário de estado ou equivalente) não terá cometido um nepotismo. Por está razão é que os prefeitos recém-empossados, sobre tudo aqui no Rio Grade do Norte, têm inundado os míseros governos municipais com uma enxurrada de irmãos, esposos, pais e mães de prefeitos, todos feitos titulares de secretarias municipais. Sem exagero algum, é fato em alguns municípios que, quando a família do(a) prefeito(a) almoça, sempre ocorre mais uma reunião do secretariado... Ridículo.



 Assim, os gestores públicos impedidos de distribuir cargos comissionados  de escalões inferiores com os parentes, têm plena autorização para agraciá-los com os cargos da mais alta hierarquia na estrutura administrativa municipal (ou estadual). O argumento é o de que os cargos do primeiro escalão de governo têm natureza eminentemente política e, portanto, seriam insuscetíveis da pecha de nepotismo. Uma explicação vaga que não justifica. Verdade é que a prática se  tornou acintosa e abusiva. Por isto, é inegável que o CNJ, no linguajar bem sertanejo, foi fazer "um giro e fez um jirau", pois os prefeitos que querem empregar seus cônjuges, pais, irmãos, filhos e cunhados, na prefeitura que dirigem, podem fazê-lo desde que sejam para os cargos mais proeminentes das estruturas de governo - secretários e equivalentes - sem qualquer preocupação com as reprimendas dos órgãos fiscalizadores (Ministério Público, Câmaras Municipais, Tribunal de Contas e etc).  A interpretação do Conselho Nacional de Justiça, plasmada na Resolução CNJ nº 7, de 18 de outubro de 2005, infelizmente garante toda essa esbórnia antirrepublicana e imoral. Até quando?

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