DE
FULECO E BRAZUCA
Paulo
Afonso Linhares
Após
profunda reflexão acerca do comportamento
colaboracionista das vítimas de uma sequestro na Suécia
(assalto ao Kreditbanken em Norrmalmstorg, Estocolmo, que durou de 23
a 28 de agosto de 1973), o criminólogo e psicólogo Nils Bejerot
denominou esse intrigante estado emocional de "Síndrome de Estocolmo" (Stockholmssyndromet, em sueco). Caracteriza essa
síndrome o envolvimento das vítimas
com seus algozes em sequestros, situações de violência
doméstica e familiar, cárcere
privado ou submetidas a campos de concentração. A vítima
desenvolve um mecanismo de defesa e se torna dependente psicologicamente do
algoz, quando busca conquistar a simpatia deste, a ponto que, mesmo depois de
finda a coação física e/ou psíquica,
defende o coator, inclusive para livrá-lo de sanções
jurídico-penais.
A
lembrança dessa típica
doença psicológica aleatória, para usar o jargão
técnico da Psicologia, vem a propósito
do estado psicológico coletivo dos brasileiros após
a monumental derrota da ex-melhor-seleção-do-mundo, de 7 a
1, para a esquadra futebolística alemã comandada pelo
glacial técnico Joachim Löw.
O desalento causado por esse desastre inédito na história
das copas mundiais de futebol impele a maioria da população
brasileira a torcer para uma vitória alemã na final da Copa
2014, no Maracanã, contra os hermanos
argentinos.
Em
alguns casos mais graves de comprometimento psicológico,
alguns brasileiros até chegam ao absurdo
de desejar uma vitória da turma de Messi, o que projeta
sobre nós e nossos descendentes, até a quinta geração,
uma terrível maldição
que é aguentar as
fanfarrices argentinas; já não
é suficiente as
estultices do Dieguito Maradona, a insistir que é mejor que Pelé?
Nem morto e com toda cocaína que pôde aspirar
superaria o nosso eterno rei do futebol. Sem sombra de qualquer dúvida,
brasileiro agora torcer por uma vitória argentina
contra os alemães configura doença
psicológica nada aleatória;
é loucura mesmo, da
mais agressiva e incurável. Tarja preta de lascar os
tamancos!
A
despeito de todo o desencanto e frustração com a humilhante
derrota sofrida pela Famiglia Scolari frente à velha Mannschaft, como é conhecida a seleção
da Alemanha, surpreendentemente as pessoas dos mais diversos rincões
deste país demoraram uma nada para entender que
se tratava apenas de um jogo de futebol, que o mundo não
se acabou e que a vida segue seu curso,
sem que esse escorregão da Canarinha tenha causado maior impacto.
Quando vimos essa besteira do mascote Fuleco e da bola Brazuca, ficou evidente
que no futebol mesmo a seleção dará com os burros, ou melhor, com os tatus-bola n'água.
E na tragédia agora já conhecida como
"Mineiraço" os canarinhos do Filipão
apanharam que só macaco para
adivinhar dinheiro em feira. Afinal, uma coisa muito boa: o pobre homem
satanizado por seis décadas como responsável
pela derrota do Brasil na Copa de 1950, o goleiro Barbosa, pode agora descansar
em paz, pois essa meninada de 2014, à frente o atacante Fred, que nada atacou, vai levar essa cruz
por muitas décadas à frente. De Fuleco à Brazuca, o descompasso atual do futebol brasileiro, uma
fratura exposta. Todavia, é forçoso reconhecer que tudo se resume a um
mero jogo de futebol, algo que desperta em nós aquela dimensão
eminentemente lúdica, uma brincadeira que galvaniza a
atenção de todos os povos do mundo e
movimenta montanhas de dinheiro.
Entretanto,
como reza o provérbio português,
"uma coisa é uma coisa, outra
coisa é outra coisa." Por isto, são
bem distintas as posições da seleção
brasileira de futebol e do Estado brasileiro na condição
de anfitrião da Copa 2014. Se a seleção
deu com a cara no chão o mesmo não
ocorreu com o Brasil, nos seus diversos níveis de governo,
apesar do descrédito inicial, inclusive de parte da própria
FIFA. Com efeito, neste aspecto e a despeito de todos os percalços
que cercam um evento dessa magnitude, a atuação do Estado
brasileiro, mormente do governo federal, foi coroada de êxito.
Tanto que até esse sucesso na
realização
da Copa 2014 atenuou o enorme vexame que sofremos dentro das quatro
linhas para o pragmático futebol alemão.
Isto sem falar numa ponta de constrangimento que se apoderou destes, a exemplo
do técnico Löw, que até procurou consolar
os anfitriões brasileiros com palavras amáveis.
Consolo
por consolo, vale mesmo lembrar que a Nationalelf, outra alcunha da seleção
alemã, levou uma chibatada de 9 a 0 frente à seleção
da Inglaterra, em Oxford. Já faz um tempinho, foi em 13 de Março de 1909, mas, não se diz que essas
coisas de futebol são eternas, as glórias
e os desastres, tudo não conta? No entanto, para os inconsoláveis
com o naufrágio desse Titanic verde-amarelo do
capitão Scolari vale a achega de São
José de Anchieta, o apóstolo
do Brasil: "Quem se verga em tristeza, em consolo se alarga: por ti,
depõe do peito a dura sobrecarga!" E para
os brasileiros já tocados pela
"síndrome de Estocolmo" resta torcer
para que nossos algozes germânicos botem muito
chucrutes no doce de leite dos hermanos argentinos: Deutschland, Deutschland über alles! ...
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