AS MUNGANGAS DO GOLPE
Paulo Afonso Linhares
As pessoas guardam semelhanças com animais e enxergar isto em cada pessoa pode fazer a festa daqueles que se dedicam à arte do humor. Aliás, se examinar direitinho, você finda por descobrir o animal por trás de cada rosto. Sem prolegômenos mais apurados, pode-se dizer, por exemplo, que a cara do atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com os seus cabelos lambidos e aqueles óculos démodé, lembra um desses ratos bandidos de histórias-de-quadrinhos; enfim, parece mesmo com um rato molhado. Essas semelhanças se acentuam ainda mais quando ele preside as sessões da Casa que dirige e abre aquele irônico sorriso para comemorar mais uma derrota do governo Dilma ao longo da via crucis parlamentar que ele próprio denominou como “pauta bomba”, ou seja, o encadeamento de vários projetos de lei e de emendas constitucionais que inviabilizariam não somente àquele, mas, o país mergulharia no caos político e econômico. Lastimavelmente, este é um cenário sombrio, porém, possível.
A despeito do seu partido, o PMDB, ser um dos condôminos do poder federal, na pessoa do vice-presidente Michel Temer – que, aliás, não se parece com animal algum, mas, com a figura do conde Drácula – o certo é que o lépido e fagueiro Eduardo Cunha tem conspirado à larga para solapar o mandato de Dilma Rousseff, com a votação de um impeachment. Vira e mexe, a base da argumentação dos oposicionistas derrotados em 2014 é a questão da impopularidade da presidente. Ora, como o Brasil ainda não adotou a técnica do recall, a desaprovação de Dilma e de seu governo não pode gerar um impeachment. É uma questão a ser resolvida, no futuro, pelo cidadão-eleitor, através do voto universal, direto e secreto. Fora disto será simplesmente um golpe, qualquer que seja a indumentária que possa revesti-lo. Esta posição conflui com o que sonham os tucanos após a sofrida derrota que tiveram, nas urnas, em 2014. Segundo se comenta nas rodas de Brasília, a justificativa do golpe (branco ou de qualquer outra cor que se queira) teria duas vertentes, segundo tratativas que Eduardo Cunha tem feito com lideranças políticas e empresariais brasileiras: a) a presidente Dilma seria abatida por um processo de impeachment instaurado com base nas tais “pedaladas fiscais” detectadas pelo Tribunal de Contas da União e, nesse caso, ela seria afastada e o vice Michel Temer assumiria a presidência para concluir o mandato; b) por outro lado, haveria um processo de impeachment cuja motivação seria a contaminação da eleição de Dilma pelo uso de recursos financeiros provenientes de propinas pagas por empreiteiras de obras da Petrobrás e, nessa hipótese tanto ela quanto o vice Temer perderiam seus mandatos e Eduardo Cunha assumiria o governo para a realização de novas eleições, o que vem a ser o sonho de consumo da facção mais porra louca oposicionista, sobretudo, aquela encastelada em veículos de comunicação.
Na onda do conspiracionismo que ronda todas as mentes e bocas, uma terceira vertente existiria, ainda, a ser considerada: como teria sido “rastreada” uma suposta “bolada” de dinheiro depositado na conta do ex-presidente Lula em banco português, estaria em marcha um “acordão” de cúpula no qual Dilma renunciaria à presidência enquanto aquele, o Lula, assumiria o compromisso de não ser candidato em 2018 e que o PT ficaria de fora. Assim mesmo, tudo bem arrumadinho. Somente faltaria nesse angu carocento e indigesto quem haverá de colocar o guiso no gato. Qual nada, isso até que não será tão difícil: como definitivamente, nestas plagas tupiniquins as armas cedem à toga, para usar a conhecida frase de Cícero (“Cedant arma togae”), aos membros do Poder Judiciário – de juízes de primeira instância até os da mais alta corte do país - teriam essa tarefa de “dourar a pílula”, ou melhor, dar feição jurídica ao golpe para justificá-lo.
Para os segmentos mais radicalizados na oposição ao governo agora vige a tese do “quanto pior melhor”. E nesse rumo, tocarão fogo numa enorme basílica apenas para matar uma esquiva barata. É assim que a Câmara dos Deputados tem agido sob a batuta biruta de um Eduardo Cunha que evidencia a cada passo o seu projeto de poder eminentemente conservador e, quase sem alguma razoável dúvida, de cariz autoritário. Abra-se, pois, a caixa de Pandora! Fiat tenebrae. Ou, na língua de Camões, faça-se a escuridão!
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