CUNHA DE CHANTAGEM
Paulo
Afonso Linhares
Na
rotina forense tem ganho destaque aquilo que pode ser denominado como
"avalanche processual", ou seja, quando o direito em questão não é bom,
uma boa tática é propor diversas demandas - com pequenas variações de objeto ou
de fundamentos - sobre o mesmo tema.
Claro, por mais absurdas que possam ser essas demandas, há sempre um grau de
risco de que alguma possa ser acolhida pelo juiz, por equívoco, ignorância
acerca das questões de fato ou errônea aplicação do direito, peita, má-fé etc.
Claro, para evitar esse abuso das múltiplas demandas repetidas, as leis
processuais criaram mecanismos que, em derradeira análise, visam reunir as ações
com objeto ou fundamentos idênticos, para um julgamento simultâneo.
É essa
tática da "avalanche processual" - que literalmente "mata de
cansaço" - que a oposição ao governo Dilma Rousseff tem utilizado para
tentar o impeachment da
presidente: um número exagerado de petições requerendo a abertura de processos
de "impeachment" foi protocolizado junto à presidência da Câmara dos
Deputados, a quem compete decidir em primeira plana sobre a procedibilidade dos
pedidos de impedimento formandos com base nos artigos 85 e 86, da Constituição.
Acossado
por denúncias graves de corrupção segundo apurações da "Operação Lava
Jato", o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-DF), tem
usado isso como poder de barganha contra a presidente Dilma, como se fosse possível
que ela detivesse o andamento das diligências da Polícia Federal, do Ministério
Público e da Justiça Federal, para beneficiá-lo. Ainda que ela podesse, seria um
enorme erro, sobretudo, por essa ingerência indevida vulnerar o princípio da
separação dos poderes. Assim, depois indeferir cerca de três dezenas de pedidos
de abertura dos processos de impedimento
da presidente Dilma, resolveu Eduardo Cunha acatar um daqueles pedidos que, aliás,
em nada difere dos já arquivados. Com isto, o presidente da Câmara dos Deputados
- chamado por seu correligionário Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) de
"chantagista e psicopata", em recente programa de televisão - crava
uma poderosíssima cunha no peito do governo Dilma que, nos últimos tempos, até vinha
demonstrando sinais de franca recuperação.
A
instabilidade política, que agrava as dificuldades por que passa a economia,
voltou com especial vigor após o anúncio
do recebimento do pedido de impeachment por Eduardo Cunha, que
chantageia abertamente a presidente da República com enorme cobertura dos
poderosos veículos de comunicação que a ele se aliam, a despeito de importantes
manifestações contrárias de personalidades e entidades representativas da
sociedade civil, que reconhecem a não existência de qualquer das hipóteses
enumeradas no artigo 85, da Constituição, para abertura de um processo de
impedimento.
Com
efeito, foi essa conclusão a que chegou
uma comissão de juristas instituída pelo Conselho Federal da OAB, sob o
coordenação de Eduardo Lavenère Machado: as tais "pedaladas fiscais" não
seriam suficientes para basear impedimento da presidente da República justo
porque não foram atos diretamente praticados por ela, merecendo lembrar até que
o vice-presidente Michel Temer é signatário de vários decretos que viabilizaram
essa prática vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Em suma, por maioria de
votos, entendeu essa comissão que não se tem presente, no caso, nenhuma
daquelas hipóteses de condutas descritas no artigo 85 da Constituição. Nesse
mesmo rumo foi a manifestação do representante da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, ademais de outras entidades e personalidades que vêm
prestando solidariedade à presidente e em expressa condenação à atitude de
Eduardo Cunha.
Lastimável,
porém, é inevitável que nos próximos dias o Brasil afunde na crise política,
com reflexos negativos para a economia. O mais grave é que, além da enorme
corrosão que isso causa à (convalescente) autoridade da presidente da República,
percebe-se um enorme déficit de lideranças políticas nacionais capazes de
construir uma solução em marcos republicanos para o impasse político gerado
pela atitude irresponsável e chantagística do presidente da Câmara dos
Deputados que, há bastante tempo, perdeu a condição moral de presidir essa Casa
legislativa, o que certamente será reconhecido pela Comissão de Ética no bojo
do rumoroso processo instaurado para apurar a participação de Cunha no
recebimento de propinas, conforme denúncias feitas contra ele recentemente.
Vejamos
até onde irá à chantagem escancarada que, com o beneplácito de tucanos e demos,
ademais dos alardes da grande mídia conservadora, tem como alvo a primeira
mandatária desta nação. O psicopata (nas palavras do deputado federal Jarbas
Vasconcelos, repita-se) que, ainda, preside a Câmara dos Deputados está à solta
e com a caneta cheia de tinta. Até onde Cunha abusará da paciência deste Brasil
de caboclo, de mãe-preta e pai joão?
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