DE CÃES À SOLTA
E DESVARIOS GOLPISTAS
Paulo Afonso Linhares
Dos três poderes do Estado que compõem a fórmula clássica do Barão de Montesquieu é o Poder Legislativo aquele que mais configura a presença da soberania popular, tendo como esteio um conjunto variável de instituições democráticas e práticas caracterizadas pela adoção do princípio da maioria. Por isto é que as instituições parlamentares, no mundo inteiro e em diversos períodos da História, são os alvos prediletos de democraticidas os mais diversos, cujas ações golpistas com emprego de violência ou grave ameaça, muitas delas bem sucedidas e outras tantas frustradas, têm comum objetivo exterminar a democracia e erigir regimes de cariz autoritário.
Basta ver o período dos cem últimos anos da História mundial, em que todos os golpes de Estado que inauguraram regimes autoritários - e foram muitos - há uma fase absolutamente comum, como se fosse a constante de uma espécie (fictícia) de manual do golpe de Estado que, sempre e sempre, se traduz pela invasão, bloqueio, cerco por tropas armadas e até bombardeio das instalações onde funcionam os parlamentos. Enfim, um golpe de Estado violento que não agride alguma instituição parlamentar soa estranhamente, como algo atípico. Quase todas as ditaduras implantadas nas Américas, África, Europa e Ásia, no último século, foram protagonizadas por invasões ou intimidações dos parlamentos.
Com a "Marcha sobre Roma", uma grande manifestação fascista, com característica de golpe de Estado de direita, em que as milícias chamadas de camicie nere ("camisas negras") instigaram o terror e combateram duramente os socialistas, além de forçar o então primeiro ministro italiano a pedir demissão e, sem oferecer resistência, o rei Vitor Manuel III convidou Benito Mussolini, Il Duce (O Líder), a formar um novo governo, em 30 de outubro de 1922, levando ao poder o Partido Nacional Fascista (PNF), com extinção da democracia liberal e implantação de um regime de terror que levou a Itália a formar com a Alemanha nazista e o Japão o "eixo" político que iniciou a Segunda Guerra Mundial. A agressão ao Parlamento italiano foi, portanto, bem sucedida. Apesar de retumbantes vitórias eleitorais do seu Partido Nacional Socialista, Adolf Hitler somente assumiu o poder máximo após as chamas terem queimado o Reichstag (o parlamento alemão), na noite de 27 de fevereiro de 1933, em Berlim, que destruiu também a frágil democracia alemã. Os nazistas usaram esse ataque como pretexto para ampliar e consolidar o poder nas mãos de Hitler, poucos dias após sua nomeação como primeiro-ministro pelo presidente do Reich, marechal Paul von Hindenburg. O incêndio teria sido obra solitária de um jovem de vinte e quatro anos, o holandês Marinus van der Lubbe, supostamente ligado aos comunistas (comunistas sempre foram um bom pretexto para golpistas de direita...). A ação indireta dos nazistas, na farsa do incêndio do Reichstag, alcançou a meta política almejada por Hitler e seu asseclas, cujo resultado foi o início do reinado do partido nazista, conhecido pela sigla NSDAP, com todo o terror que se seguiu e incendiou o mundo entre 1939 e 1945.
Outras tentativas de agressão a parlamentos algumas vezes resvala para o ridículo. É o caso do frustrado golpe de Estado de 23 de Fevereiro de 1981 na Espanha, também conhecido como 23F, que constituiu uma tentativa de golpe de Estado levada a cabo por duzentos militares da Guardia Civil espanhola que, sob o comando do tenente-coronel António Molina, promoveu o assalto ao Congresso dos Deputados, no momento em que ocorria a votação do candidato para Presidente do Governo da Espanha, Leopoldo Calvo-Sotelo, da UCD. O próprio Molina, num gesto tresloucado, sacou da pistola e atirou para o alto, tudo, porém, sem maiores consequências: toda a pantomima ridícula que protagonizou foi insuficiente para fazer uma regressão da Espanha ao regime autoritário. Felizmente, uma ridícula cena de fracasso.
Em 16 de novembro de 2016, mais uma patuscada 'direitosa' ocorreu em Brasília: um bando de malucos raivosos invadiu o plenário da Câmara dos Deputados a gritar frases contra a democracia e que pediam a volta da ditadura militar. A invasão resultou em tumulto grave que impediu a continuidade dos trabalhos legislativos, além da destruição do patrimônio público. Os terroristas - assim é que devem ser tratados, pois, infringiram claramente o art. 18 da vigente Lei nº 7.170, de14 de dezembro de 1983, a Lei de Segurança Nacional (" Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.") - são pessoas anônimas, sem liderança aparente, que compõem um grupo fechado em redes sociais denominado "Os Patriotas", o que parece uma piada. A ação repressiva deve ser imediata e severa, porquanto mostra a História no que resultam as eclosões de aparentemente inofensivos 'ovos de serpente', como essa agressão grave ao Congresso Nacional e à democracia brasileira.
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