domingo, 4 de setembro de 2011

Artigo de Paulo Afonso Linhares


A AUTONOMIA DO BANCO CENTRAL

PAULO AFONSO LINHARES

            A vida dos presidentes da República não é fácil. Cada ato que pratica agrada uns e desagrada sempre muitos outros. Veja-se, p. ex., a questão da evolução da taxa Selic, que é a taxa de juros fixada pelo Conselho de Política Monetária (COPOM), do Banco Central do Brasil, e que se constitui no mais importante balizador da economia nacional, do ponto de vista da política monetária. O saudoso ex-vice-presidente da República no governo Lula, José Alencar da Silva, passou oito anos, entre uma sessão de quimioterapia e outra, a bradar aos céus contra a alta da taxa Selic. E não foi ouvido. Do mesmo modo, todas as importantes lideranças empresariais do país e setores importantes da imprensa nacional faziam coro contra os altos juros do Brasil.
            Na atual gestão da presidente Dilma, a Selic continuou a subir, como esses perigosos balões juninos, mas, nesta última semana, para surpresa geral  o COPOM resolveu derrubar, de uma só vez, meio (0,5%) ponto percentual dessa taxa, recuando dos 12,5% para 12%. O mundo veio abaixo, sobretudo, com prevalência de um argumento de que a baixa se deu por pura pressão do Palácio do Planalto, pois tanto o ministro Guido Mantega quanto a própria presidente Dilma se manifestaram a favor de um arrefecimento da taxa Selic. Em suma, por essa gritaria toda teria ocorrido uma perda da autonomia do Banco Central, algo de sacrossanto respeito nos governos FHC e Lula.
            Bobagem. Em primeiro lugar porque institucionalmente o Banco Central não goza da mesma autonomia que os seus congêneres da Inglaterra, Estados Unidos da América, Alemanha ou Suécia. A questão é que os presidentes FHC e Lula ainda tinham muito presente a questão do combate à inflação, esta que se mantém em níveis moderados com uma política de altas taxas de juros. E preferiram que as autoridades monetárias, à frente o presidente do Banco Central, definissem os rumos da política econômica, mas, reservaram para si, sempre e sempre, a última palavra sobre ela. Neste momento de muita incerteza no cenário econômico mundial - cena que FHC não vislumbrou e que Lula somente viu no final do seu segundo governo - não parece ser prudente manter juros altos que, entre outros efeitos, reprime o crescimento da economia ao mesmo tempo em que anestesia o dragão inflacionário; é necessário, sim, manter um bom nível de crescimento econômico e de fortalecimento do mercado interno, este, aliás, que tem sido a salvação da economia brasileira neste contexto de crise econômica que de alastrou no mundo após a explosão da "bolha" norte-americana. Em segundo lugar, porque na era Lula, com especialidade, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, gozava de um enorme prestígio interno e externo, além de ser o responsável pela condução da política monetária.
            Em suma, a presidente Dilma não deu um golpe e nem subtraiu a autonomia do Banco Central, como esbravejou um magote de analistas econômicos e empedernidos oposicionistas. Claro, por trás do desejo da manutenção de juros altos estão os grandes especuladores estrangeiros e nacionais que, quase sem nenhum risco, vêm acumulando enormes ganhos nos últimos 15 anos sem qualquer interrupção, uma atividade posto que lícita e, numa certa medida, necessária, que finda por esterilizar a economia, impedido, como impede, o crescimento econômico. Tudo bem, podem até dizer que o governo Dilma tem, agora, uma postura bem pessimista sobre os rumos da economia mundial, de modo a correr o risco de inflação maior, porém, para propiciar que o Brasil mantenha uma ritmo de crescimento que, no mínimo, seja aproximado das outras economias  emergentes  que compõem o bloco conhecido como BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e condizente com a ideia de desenvolvimento professada pelo pensador Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, segundo a qual "o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente".  Sen faz uma feliz aproximação entre economia e ética, algo bem distante do que desejam aqueles que especulam com a felicidade dos povos do mundo, esses jogadores de um pôquer macabro que sempre enchem os bolsos a cada elevação dos juros. Vermes nojentos!  Essas coisas traz-nos à mente, de modo compulsivo e inevitável, aquele poema de Bertolt Brecht (in Poemas, p. 85) que diz: "Como pode a voz que vem das casas/ Ser a da justiça/ Se nos pátios estão os desabrigados? Como pode não ser um embusteiro aquele que/ Ensina aos famintos outras coisas/ Que não a maneira de abolir a fome? Quem não dá pão ao faminto/ Quer a violência. Quem na canoa não tem/ Lugar para os que se afogam/ Não tem compaixão. Quem não sabe de ajuda/ Que cale."  Que cale mesmo e não diga besteiras.

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