A OBSESSÃO DA VEJA
Paulo Afonso Linhares
Recentemente, alguém alertou que a Veja, revista semanal da família Civita, trazia uma matéria em que desancava o ex-ministro José Dirceu, um verdadeiro tiro de misericórdia. Anos após de ter abandonado a leitura desse faccioso hebdomadário, justo em razão da extremada parcialidade de como tratava certos temas da política nacional. Uma mocinha bem simpática até ligou oferecendo alguns meses de assinatura dessa revista gratuitamente. Ainda assim não foi aceita. Jornalismo amarelo nunca mais. Todavia, aquela informação sobre o massacre de Dirceu que a revista fazia, açulou-me a curiosidade. Até mesmo para medir o grau de sandice nestes tempos em que os redatores, colunistas e repórteres da Veja não poupam elogios à presidente Dilma Rousseff.
De fato, já na capa a imagem de José Dirceu lembrava essa gente da Cosa Nostra e a chamada prometia incríveis revelações sobre suas estrepolias nas cercanias do Palácio do Planalto. Depois de muitas páginas enfadonhas com publicidade de carros de luxo, chega-se à matéria tão bombasticamente anunciada. Um factóide da pior estirpe. Parafraseando o poeta Horácio, a montanha (dos Civita) rugiu e pariu um ridículo rato. Uma atitude estúpida capaz de fazer corar o velho Keith Rupert Murdoch, dono de um balaio de tablóides sensacionalistas: os repórteres de Veja coletaram horas de filmagem de uma câmera montada em frente ao apartamento que o líder petista ocupa em hotel brasiliense e a partir daí descreveram todas as visitas recebidas por ele, ademais de fazer (dasautorizadas) ilações acerca do que esses políticos e ocupantes de cargos relevantes no governo federal tratavam com Dirceu, terminando por afirmar genericamente que ali se conspirava contra o governo Dilma Rousseff. Claro, tiveram dificuldades de explicar porque algumas lideranças políticas de outras extrações, inclusive membros importantes do PSDB, visitavam o político petista. Mesmo espezinhado como tem sido, Dirceu tem direito à incolumidade de sua vida privada.
Entrevistados, os visitantes, em sua maioria, disseram que eram amigos de Dirceu; outros, após constatar que Dirceu é um dos mais articulados quadros políticos da República – coisa que sua cassação nem o processo do “Mensalão” puderam tirar – afirmaram que gostavam de ouvir suas opiniões sobre o momento político brasileiro. E daí? Seriam crimes a amizade e a admiração que devotam àquele político que, a despeito de tudo que se disse, até agora nada se provou contra ele? Que crime praticou José Dirceu para merecer esse tipo de assédio moral que lhe impõe a revista Veja? Quando usou uma câmera para bisbilhotar a entrada do quarto de hotel onde se hospeda Dirceu, a Veja criou o fato jornalístico sobre o qual se assenta a matéria publicada, atropelando ética jornalística. Ao jornalista não cabe produzir fatos, mas, divulgá-los e sobre eles produzir reflexões.
Ressalte-se que em favor de José Dirceu milita o princípio da presunção de inocência, de raiz constitucional, segundo o qual até prova em contrário presume-se inocente o acusado de delito. Assim, os duros epítetos contra o petista, largamente disseminados no texto, são descabidos, pois até presente momento nenhuma condenação lhe foi imposta pelo Supremo Tribunal Federal, eis que pende de julgamento o processo do “Mensalão”. Até que venha a lume uma decisão dessa Corte, José Dirceu deve ser tratado de um modo bem diverso daquele como a Veja o tratou. Como um malfeitor que porta doença tão contagiosa que o distancia do contato com os mortais comuns, mesmo que sejam seus amigos e admiradores. Pelo que demonstra a matéria jornalística antes referida, além de todas as reprimendas e infortúnios impostos à pessoa de Dirceu, certamente mereceria que sua casa fosse derrubada, derramado sal sobre os escombros, e seus descendentes declarados infames até a quinta geração, como dito na sentença de D. Maria I, a Louca, que condenou o alferes Tiradentes. Ou, se preferir, a revista dos Civitas poderia parafrasear aquele conhecido bordão gritado diariamente por Catão, o Antigo, no Senado romano, e jogar no frontispício de todas as capas de sua edição semanal, para demarcar sua intolerância e obsessão: José Dirceu delenda est! (“José Dirceu deve ser destruído!”). Com a rica e bela Cartago até que deu certo...
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