O PODER DO CARTEL
Paulo Afonso Linhares
No longínquo 1848, afirmava o pensador econômico John Stuart Mill
proposição válida até os dias atuais: “Só por meio do princípio da concorrência
é que a economia política poderá aspirar ao carácter de ciência”. Com efeito, a
concorrência sempre esteve presente, sob diversas formas no cotidiano da
humanidade, a começar pelas brincadeiras das crianças, os tantos jogos e
competições desportivas, as lutas para autodefinição como profissional e
cidadão. A despeito dessa presença na vida dos povos, a concorrência somente
pode ser vista como vital, para o estudo da vida econômica, quando se tem em
consideração a limitada escassez de bens da vida e as necessidades crescentes
da humanidade de ter acesso a esses bens. Grosso modo, a concorrência por
recursos escassos constitui o próprio núcleo do conceito que imanta a
construção da economia contemporânea. Aliás, não sem razão, Adam Smith, o pai
do liberalismo econômico, defendeu pioneiramente a ideia de que a concorrência
não era causadora do caos, mas um dos pilares de uma ordem social justa que
teria como elementos espontaneidade e produtividade.
Os sistemas sociais são caracterizados não apenas pela
presença ou ausência de regime econômico concorrencial, mas, sobretudo, pelo
tipo de concorrência adotado por cada sociedade nos diversos períodos da
história. Doutra parte, apesar de sua importância no mundo atual, a
concorrência não é tudo para a atividade econômica, porquanto a moderna
economia de mercado é, a um só tempo, campo de concorrência quanto mesmo de
cooperação social. No entanto, quando a concorrência é desvirtuada – e tem sido
uma tentação constante na história econômica – um dos métodos utilizados para
viciá-la é o chamado “cartel”, que são acordos de agentes econômicos tendentes
a impedir ou dificultar a concorrência, visando o aumento arbitrário de lucros.
É mais ou menos esta a redação do inciso III, art. 2º, do Decreto-Lei nº 869,
de 18 de novembro de 1938, que é a norma pioneira, no Brasil, na punição dos
cartéis econômicos, mais de quatro décadas após vir a lume o Act for the Preservation and
Suppression of Combinations formed on Restraint, do Canadá, editada em 1889
como a primeira norma antitruste conhecida e cujo objetivo era “atacar os
problemas de combinados ou conluio para restringir o comércio, para fixar
preços e restringir a produção”, ademais de considerar “a fixação de preços e
outros acordos entre competidores espécies de conduta abusiva”, segundo
afirmação de Gesner Oliveira e João Grandino Rodas (cfr. Direito e economia da concorrência.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 4). E igualmente distante no tempo do famoso Sherman Act, de 1890, que
passou a reputar como ilegais todos os acordos, contratos ou combinações
restritivos da livre concorrência, que integrado ao Clayton Act e oFederal Trade Comission Act,
ambos de 1914, estabeleceu o mais eficaz sistema de defesa do direito de
concorrência e de combate aos cartéis.
Certo é que, essa cultura de
combate aos cartéis, “fundada no julgamento de que essas práticas sempre geram
efeitos prejudiciais à economia”, na concepção de Bruno Oliveira Maggi (disp.:
< http://bit.ly/HYrgWe>
aces.: 20 abr 2012), influenciou a edição da Lei nº 4.137, de 10/09/1962, que
criou o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), na qual a prática
do cartel constitui abuso do poder econômico, configurada que fosse a dominação
ou eliminação total ou parcial da concorrência por meio de pactos
interempresariais. Além do possante marco regulatório anticartel, o Brasil
conta, atualmente, com muitas instituições, estatais ou não governamentais, de
combate ao cartel, com destaque para o papel (constitucional) do Ministério
Público que, infelizmente, não tem voltado suas baterias para o danoso cartel
que se formou para a venda de combustíveis derivados do petróleo no Rio Grande
do Norte e que a cada dia se mostra mais desenvolto.
Ora, afigura-se um absurdo que a
diferença de preços de um litro de gasolina, no Rio Grande do Norte, possa
variar em absurdos 25%, ou seja, pode-se comprar esse produto com até cinquenta
centavos de real de diferença por litro. Agrava-se mais essa circunstância se
levar em conta que o Rio Grande do Norte é produtor de petróleo e que tem
planta para produzir os combustíveis dele derivados. Inexplicável, também, que
a Paraíba e Pernambuco não produzam petróleo para fazer funcionar um reles
isqueiro, porém, os consumidores pagam bem menos pelos combustíveis que
consomem. Até parece que os potiguares, por ocuparem o segundo lugar no hanking dos produtores de petróleo no Brasil,
são obrigados a pagar bem mais pela gasolina e diesel que consomem. Como se
fosse um castigo. É preciso urgentemente combater esse cartel dos combustíveis
no Rio Grande do Norte. Mesmo sem intenção de estabelecer uma pauta, com a
palavra o Ministério Público.
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