domingo, 28 de outubro de 2012

Artigo de Paulo Afonso Linhares


AS FESTIVAS ELEIÇÕES DE 2012
Paulo Afonso Linhares
A realização do segundo turno das eleições municipais de 2012 encerra mais um capítulo do processo de construção da democracia no Brasil. Claro, no plano da institucionalidade, desde a Constituição de 1988, a democracia se imbrica com o direito para fundar a própria noção de Estado. No entanto, para que tenha existência concreta, a democracia necessita ser exercida de diversas formas. Uma destas modalidades – e decerto a mais conhecida, embora nem assim tão mais importante - são as eleições dos agentes políticos para exercer cargos nos Poderes Executivo e Legislativo, nos três níveis federativos, que se realizam a cada dois anos. E o povo se mostra entusiasmado, posto que sua participação ainda seja inorgânica e pouco centrada nos partidos políticos, de modo que reproduz, ainda, níveis políticos e ideológicos incipientes.
            Na verdade, as campanhas políticas, sobretudo, nas pequenas e médias cidades do interior deste brasilzão de muitas facetas, são a diversão de massa que essas populações somente veem em raros e fugazes momentos festivos (festa de padroeiro, festas juninas, eventos de inauguração de obras públicas etc.). Ora, as campanhas políticas duram três longos meses de esforço, correria, caminhadas, passeatas. Carreatas e comícios, tudo geralmente puxado a muita bebida, música (com os horríveis “paredões de som”...), danças, namoros e pedimento de votos. Fora estes dois últimos aspectos, os outros dão às campanhas uma dimensão lúdica inafastável. Se a legislação eleitoral não fosse tão rigorosa (quanto arcaica e equivocada) as bandas literalmente voariam. É visível que do lado do legislador contemporâneo houve toda uma tentativa de emascular as dimensões lúdicas das campanhas políticas, ao impor proibições como os showmícios, os trios elétricos com bandas de vários estilos musicais, camisetas, bonés e outras indumentárias. Enfim, tudo que poderia, mediante vultosos custos materiais, desviar a atenção do eleitor, em boa hora foi banida essa parafernália das campanhas políticas e com inegável ganho: os discursos voltaram a ser as estrelas dos palanques.
            Para o legislador e muitos juízes eleitorais a campanha eleitoral deveria ficar restrita ao Horário Eleitoral Gratuito. Para alguns mais assanhados e falso-moralistas destes, o ideal seria mesmo a volta da famigerada Lei Falcão, que tanto sucesso, para não dizer o contrário, fez na época da ditadura militar (1964-1985). No desiderato de afastar do horário eleitoral gratuito quaisquer críticas dos candidatos ao regime autocrático que impôs censura à imprensa, cassou mandatos, exilou, matou e prendeu pessoas por delitos de opinião ou prática política, o então ministro da Justiça, Armando Falcão, engendrou um monstrengo jurídico que ganhou status legislativo como Lei nº 6.339, de 1º de julho de 1976. No chamado Guia Eleitoral, os candidatos não podiam anunciar nada além do próprio currículo. Nada de discursos ou de imagens empolgantes. Nada de efeitos especiais, marchinhas, bandeiras, desenhos animados. Somente monótonos currículos lidos como se fossem ensossas listas de ingredientes das receitas culinárias. Foi certamente um dos piores e mais constrangedores momentos vividos na cena política brasileira, em que tanto os candidatos quanto seus eleitores foram levados, “manu militari”, a fazer papéis de chapados idiotas. Passou.
             A despeito das enormes restrições que a atual legislação impõe às campanhas eleitorais e candidatos, algumas até de fortíssima inspiração autoritária, especialmente quando trata dos meios de comunicação eletrônicos, a criatividade da população eleitora nas ruas e praças, com suas cores, ditos e troças, injetaram um ânimo que parecia desaparecido a essas movimentações político-eleitorais. Sempre enfatizando, claro, essa dimensão lúdica de fazer das campanhas eleitorais brincadeiras despretensiosas, uma enorme festa que terminará ou noutra festa, a da vitória nas urnas, ou na enorme e depressiva ressaca que trazem as derrotas. Tudo isso na contramão da lógica presente em todas os partidos políticos, qualquer que seja sua orientação político-ideológica, de reforçar os aspectos de cunho programático.
            Bem além das formulações teóricas de meia-tigela, basta ver que têm sido bonitas essas festa das eleições 2012, com balanços sempre positivos de uma sociedade que, com grande espírito, cresce no rumo da vivência democrática. Claro que tem valido a pena, como nos geniais versos – sempre lembrados - de Fernando Pessoa: “Valeu a pena?/ Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena./Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor./Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/Mas nele é que espelhou o céu”. E a alma do povo brasileiro, mesmo com uma dose do “jeitinho”, do ser Macunaíma e outras coisinhas mais, é alma imensa, incomensurável, para quem tudo, tudo mesmo, vale a pena!

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