A DERROTA DO SEPARATISMO
Paulo Afonso Linhares
Bem está o que bem acaba ou tudo está bem quando termina bem (no original, All's Well That Ends Well). Essa obviedade resumida pelo mais genial dos ingleses, o poeta e dramaturgo William Shakespeare, há quase quatro séculos e que intitula uma de suas peças do início da carreira (datada de 1623), amolda-se como uma luva ao resultado do plebiscito com que a Escócia poderia ter encerrado uma união de 307 anos com a Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte, que formam o Reino Unido. A expectativa era enorme e uma vitória da tese separatista teria enormes consequências políticas e econômicas. Venceu o bom senso, mesmo porque se situam na contramão da História as aventuras separatistas como essa tentada na Escócia e a que será levada a efeito na região espanhola da Catalunha, através de referendo a ser realizado em 9 de novembro deste ano.
Apurados os votos, ganhou o “não” com a chancela de 55,3% dos escoceses que votaram pela permanência no Reino Unido. O “sim” pela independência da Escócia obteve apenas 44,7% a favor, segundo os resultados da apuração. Apesar da confusão conceitual, a votação foi tipicamente um plebiscito, uma votação de cunho original sobre uma questão singela a ser respondida com o sim ou um não; um referendo teria como pressuposto uma decisão política já tomada por uma autoridade singular ou órgão colegiado, transformada em norma cuja validade somente ocorreria depois de confirmada pelo corpo eleitoral, através do voto.
Ora, a mundialização (ou “globalização”, como querem outros) econômica e cultural que se acentuou com a internacionalização da economia mundial a partir da segunda metade do século XX, ademais da poderosa revolução tecnológica dos meios de informação e comunicação que fez emergir no cenário atual as sociedades informacionais, para usar a linguagem do pensador Manuel Castells, impuseram modificações profundas e definitivas no modelo de Estado nacional forjado na época do Iluminismo. Sobremodo, explodiu a velha e assentada noção de soberania nacional, um dos corifeus do constitucionalismo ocidental.
Nunca foi tão presente e impactante a noção de que vivemos na “aldeia global” preconizada pelo filósofo canadense Marshall McLuhan, antes até recebida com enorme frieza, porquanto a transformação ditada pelo paradigma tecnológico, no contexto mundial, “expande-se exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma interface entre campos tecnológicos mediante uma linguagem digital comum na qual a informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida”, segundo afirma o já citado Castells (1999, p.68). Com efeito, cada vez mais nações e indivíduos se conectam a partir de um locus comum que é o chamado ciberespaço, como a multiplicação de vínculos econômicos, sociais, políticos e culturais, de modo que o global e o local se interpenetram, se fundem e se influenciam instantaneamente e numa escala planetária, impondo um novo modelo de produção industrial cuja mais importante e não menos estratégica “mercadoria” passou a ser a informação.
Enfim, nesse contexto foi mais do que natural o surgimento de um Estado de tipo novo e resultante da união, de princípio econômica e depois jurídico-política, de vários Estados nacionais que, todavia, não se descaracterizaram enquanto tal. O melhor exemplo disto é a União Europeia, aliás, da qual faz parte o Reino Unido. Claro que, nos últimos anos, tem pedido substância a ideia-força de um grande Estado europeu pensado por Napoleão Bonaparte e que deu origem à integração europeia que desaguou na chamada “zona do Euro”, mas, ainda não chegou a adotar uma “Constituição da Europa” como prevista no Tratado de Maastricht, que instituiu a União Europeia, foi assinado em 7 de fevereiro de 1992. No entanto, isso está muito distante nas visões nacionalistas a partir das quais são engendradas as propostas separatistas, tanto a escocesa, que sucumbiu no referendo de 18 de setembro, quanto a catalã que dá azo ao referendo de 9 de novembro próximo ou até na outrora tão sonhada independência da região canadense de cultura francesa (Le Québec libre). Até agora, tem vencido a razão econômica e política em detrimento da emoção que anima a História e edifica a cultura dos povos e nações.
É inegável, aliás, que vitórias desses movimentos separatistas, a curto e médio prazo, seriam literais “tiros no pé”, tamanhas as dificuldades econômicas, culturais e políticas decorrentes, talvez até maiores pelas que passaram os países, inclusive o nosso, quando se libertaram dos jugos colonialistas a partir do século XIII. Afinal, as relações entre povos colonizadores e colonizados se situam nos limites da opressão mais brutal e afrontosa, algo bem diferente daquelas que se travam, por exemplo, no âmbito do Reino Unido. Com o resultado do referendo, que mantém a Escócia no Reino Unido, embora correta e lógica, certamente a ideia separatista escocesa não está morta, posto que, por enquanto, tenha acabado bem. Afinal, um tenaz William Wallace, chamado de Braveheart, o Coração Valente, espírito vivo da Escócia de tantos clãs,kilts, uísques e gaitas de foles, continuará à espreita ainda por muitos anos.
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