Independência ou morte?
Lúcia Helena Galvão
Se existe um tema caro ao nosso tempo, é o da independência e da liberdade, cantados em AM e FM como um dos maiores, senão o maior objetivo da vida. À parte a consideração de que ter um valor como sentido de vida já é algo de raro e louvável, não posso deixar de me perguntar, porém, do que é, de fato, que as pessoas querem tanto se libertar. O filósofo Platão costumava falar que quem fala muito de comida, deve estar faminto... e quem fala tanto de liberdade?
Claro que surgirão as sempre pertinentes colocações da lista interminável de tiranos que submeteram e submetem a humanidade, em todos os tempos, e que provocam com justiça a nossa indignação: de caráter político, religioso etc. etc. Mas, se me permite a “liberdade”, vamos ser objetivos? O que submete você, agora, aqui, neste momento? Trocando em miúdos, o que te impede, de fato, agora, de ser aquilo que gostaria de ser, ou seja, de realizar seus sonhos?
Para não dizer que faço perguntas constrangedoras e que não obedeço ao clássico preceito do ensinamento mediante o exemplo, vou tomar a inciativa e vou te dizer quais foram os principais “tiranos” com os quais tropecei na vida, ou seja, que me impediram de caminhar e me realizar na velocidade e medida com que sonhava: a desorganização, a preguiça, a impulsividade (que cruel, esta!), a falta de paciência comigo e com os demais, a falta de aceitação do ponto de partida que a vida me oferecia, o excesso (para não dizer que só falei de faltas!) de tagarelice mental, de instabilidade emocional etc. etc. Ufa, um verdadeiro exército, uma turma boa de briga... e de algemas. Nem reunindo todos os desafetos da minha vida inteira, conscientes ou não, conseguiria somar o prejuízo que apenas um destes me causou.
Jean-Paul Sartre costumava dizer: “O inferno são os outros...”. Neste caso, parece que o cárcere... também são os outros! Será mesmo? Já sei, já sei: embutidos nas minhas limitações, estão os traumas e feridas que os demais me causaram; portanto, eles são os “responsáveis”. Assim como, por trás do leite derramado, está “embutido” o leiteiro desastrado... mas isso não nos isenta da responsabilidade de tomar o pano e o rodo e limpar o bendito leite que se espalha e suja o chão. Além do mais, havia outras pessoas por aqui quando passou o desnorteado e pobre leiteiro, mas ele esbarrou apenas em você... por que será?
Esperar que o universo, que, por definição, é dual, supere essa “fraqueza”, para que só haja leiteiros atentos, pessoas gentis e bem intencionadas e dias suavemente temperados, é fantasia e fuga. Se é que isso pode ser chamado de “fraqueza”, não está bem dentro do nosso “departamento” corrigi-la. Já a nossa fraqueza, essa sim, está bem no nosso escaninho de trabalho mais próximo. “Escravo é o que luta contra o que não depende dele e, no que depende dele, nada faz”. Frase do filósofo Epiteto, que (curiosamente!), era um escravo romano. Pelo visto, não levava esse título muito a sério.
Protestar pela liberdade: que boa ideia! Vou fazê-lo hoje mesmo, da forma que me parece mais urgente e premente: tomarei o mais vermelho dos meus batons e escrevei em letras garrafais, no meu espelho: “Reaja! Reaja! Reaja!”. Se necessário, tenho batons vermelhos em estoque para emprestar, se quiser dar vazão à sua justa indignação libertária.
Verdade seja dita: “Independência ou morte” é um bom lema. Todos morreremos um dia; será que não abateremos nenhum obstáculo interno, antes disso? Lembro-me dos clássicos do faroeste, onde o protagonista desafiava os inimigos, ousado, com as mãos nas cartucheiras: “Posso morrer, mas levarei muitos comigo!” Muitos? Bem, não sou exatamente John Wayne... mas um ou dois, pelo menos... quem sabe?
“Procura a satisfação de veres morrer os teus vícios antes de ti....” Sêneca
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