BAIXARIA EM REDE
Paulo Afonso Linhares
Causou comoção generalizada a notícia da descoberta de um nódulo canceroso na laringe do ex-presidente Lula, que teve maior realce com a desenvoltura com que ele tratou o problema, na esteira da atitude tomada por seu amigo José Alencar da Silva, que jamais permitiu a divulgação truncada da evolução da doença, também câncer (do aparelho digestivo) que afinal o matou. Lula permitiu que os médicos que diagnosticaram a doença dissessem toda a verdade, sem subterfúgios qualquer: a doença é grave; o local onde está o tumor (sem metástase, o que é muito bom) não favoreceria uma cirurgia para sua ablação; o tratamento do ex-presidente, em consequência, será medicamentoso. Ademais, são grandes as chances de cura.
Alguns ilustres adversários do ex-presidente Lula, a exemplo de Fernando Henrique Cardoso e José Agripino Maia, até lhe prestaram solidariedade, como também fizeram dezenas de chefes de Estado do mundo inteiro. Noblesse oblige. Ao menos no câncer os políticos (e os mineiros) se solidarizam. Logo após o anúncio de que o ex-presidente deveria submeter-se a um rigoroso tratamento, as redes sociais foram tomadas por um sentimento mesquinho, por um enorme besteirol, de pessoas indignadas pelo fato de que Lula estava internado no poderoso Hospital Sírio-Libanês, privilégio de uns poucos endinheirados e de famosos de todos os quilates. A indignação da cibercanaille do Tweet e do Facebook traduziu-se na exigência de que Lula fosse tratado pelo SUS e não através de um caro serviço médico-hospitalar como o fornecido pelo Hospital Sírio-Libanês.
Insípidos e não menos ridículos sentimentos de uma pequena burguesia descontente com tudo que se refere às coisas da coletividade. Ora, apesar das enormes dificuldades que o SUS apresenta, em geral advindas de má gestão desse sistema complexo que se espraia pelas três esferas da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), inegavelmente é uma das maiores conquistas da sociedade brasileira e pode exibir enormes progressos na melhoria da qualidade de vida da população mais carente.
Fato é que Lula até que poderia tratar-se em algum hospital mantido pelo SUS e receber um bom tratamento. Todavia, a sua condição de ex-presidente da República lhe impõe restrições tocantes à própria segurança que o impedem levar a vida de um cidadão comum. Ademais, hoje Lula não precisa mais de que o Poder Público pague o seu tratamento no HSL, pois ele mesmo tem plenas condições de fazê-lo. Ora, essa doença vai impedir uma série de viagens de Lula para proferir palestras, no Brasil e no Exterior, na quais cobra a “bagatela” de R$ 250 mil por uma hora de suas lorotas bem orquestradas. Será que ele não teria condições de bancar seu próprio tratamento? Claro que sim, para aumentar ainda mais o sentimento mendaz dessas pessoas que utilizam as redes sociais para disseminar ideias ideologicamente bem caracterizadas com as pregações conservadoras, sobretudo quando identificam – absurdamente - as mazelas nacionais como causadas unicamente por Lula ou pelo seu partido, o PT.
O fabulista latino Fedro, que viveu no século I d.C., disse que “quem perdeu a autoridade que tinha antes,/ na desgraça torna-se alvo até dos covardes”. Embora tenha saído do governo, não se pode dizer que a situação de Lula seja de desgraça. Pelo contrário, poucos líderes despojados da autoridade tem tanto prestígio popular quanto ele. Essa turma que covardemente o agride, está a ressuscitar o Febeapá (Festival de besteiras que assola o país), para usar a feliz criação do pensador Sérgio Porto, precisa compreender que a luta de sociedade brasileira é para que todas as pessoas, nos diversos Estados da federação, tenham uma boa e eficiente atenção à saúde. O buraco, pois, é bem mais embaixo. O “castigo” imposto ao ex-presidente Lula de se tratar pelo SUS, ao invés do Hospital Sírio-Libanês, como desejariam alguns internautas desinformados, finda coincidindo apenas com o lado sombrio do SUS, em alguns locais do país cujo atendimento à saúde da população enfrenta vários níveis de precariedade, como hospitais sem médicos, enorme filas para atendimento, pessoas em macas ou mesmo no chão dos corredores dos hospitais, falta de equipamentos médicos, enfim, a desolação causada pela má gestão de recursos públicos aliada quase sempre à corrupção; é um problema que desafia toda a sociedade brasileira há décadas. Não é nem jamais foi problema de um só homem, mesmo que seja ele um dos poucos e maiores estadistas do Brasil, como é o caso do ex-presidente Lula. Pelo visto, não serão os internautas do Tweet/Facebook que vão resolvê-lo, mesmo porque a razão quando segue os caminhos indicados pelos sentidos, tem asas curtas, como diz Dante Alighieri num belo verso: “Dietro ai sensi/ vedi Che la regione há corte l´ali” (Paraíso, II. 56-7).
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