domingo, 9 de fevereiro de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

QUEBRADORES 
DE OSSOS E DE ALMAS

Paulo Afonso Linhares

Uma das figura mais singulares da geografia humana de Mossoró, Paulo da Costa Carvalho, mais conhecido como "Paulo Bedéu", graduado servidor do Poder Judiciário, ao perceber a movimentação  de um jovem advogado para apresentação, em juízo, de réu acusado de homicídio na localidade. Acercando-se do causídico, o irreverente Paulo Bedéu indagou: "Doutor, você trouxe a chibanca?" Surpreso, redarguiu o jovem advogado: " P'ra quê, Paulo?". "Ora, p'ra desenterrar e quebrar os ossos da vítima!". Posto que aparentasse elogio à atuação eficiente do advogado do réu, não deixava de transparecer fina ironia naquela indagação, em desfavor de qualquer ideia de justiça.
Recentemente, vendo  o tratamento que a imprensa conservadora e até ministros do Supremo  Tribunal Federal têm dado ao episódio dos réus do chamado "núcleo político" do Mensalão, notadamente Zé Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, que desencadearam uma campanha de doação de recursos, na Internet,  para pagamento das pesadas multas que lhes foram aplicadas como penas acessórias na famosa Ação Penal nº 470 ( Processo do Mensalão), veio à mente aquela imagem da chibanca de quebrar ossos invocada pelo irrequieto e desabrido Paulo Bedéu. Sem embargo, a  despeito da pirotecnia verbal do relator do processo, Ministro Joaquim Barbosa, fato é que ambos jamais teriam condições de arcar com tão pesados ônus. A surpresa foi uma avalanche de dinheiro depositado em favor de Genoíno e Delúbio, cujos valores ultrapassaram em muito as multas superiores a R$ 600 mil e R$ 400 mil reais, respectivamente, impostas a ambos. Tanto dinheiro receberam de uma população que repudia o ativismo judicial reinante no STF, que até decidiram, com as sobras, dar uma mãozinha a Zé Dirceu, este às voltas com uma pena de multa que supera um milhão de reais.

Estranha foi a reação de setores da imprensa e do ministro Gilmar Mendes, que lançaram sombras acerca da  origem das doações. O ministro Mendes até sugeriu  uma rigorosa apuração por parte do Ministério Público, para investigar se aqueles recursos não seriam originários de lavagem de dinheiro e outros delitos mais. Com  efeito, passou a incomodar profundamente aos grupos conservadores a constatação de que parcelas significativas da população passaram a demonstrar sua insatisfação com algumas decisões do STF, no processo do Mensalão, literalmente bancando a quitação das multas exorbitantes impostas aos condenados do "núcleo político" da AP nº 470, mesmo porque nem Genoíno nem Delúbio, ademais de Zé Dirceu, jamais teriam condições financeiras para arcar com tão pesados encargos;  em suma, foram multas aplicadas para jamais serem pagas, com inegáveis e duradouros transtornos para as vidas desses apenados. Algo assim bem sórdido, sem dúvida, mormente porque na justiça as decisões são consumativas e o que prevalece mesmo é um simulacro de verdade, a chamada "verdade formal".

As pessoas que resolveram remeter recursos para Delúbio e Genoíno  reagiram à altura das aleivosias irrogadas pelo ministro Gilmar Mendes,  a exemplo de Celso Antônio de Mello, um dos mais respeitados juristas brasileiros e professor Emérito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), disse que são “escandalosasas declarações do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes sobre suspeita de lavagem de dinheiro nas doações feitas a petistas condenados na AP 470:  “Faz acusações sem provas. Ele irroga a terceiros a prática de um crime sem indícios e isso, vindo de um ministro da Suprema Corte, é escandaloso”, disse, segundo a Folha de S. Paulo (...) “Como doador, me senti ofendido, porque Gilmar Mendes lançou publicamente uma suspeita sem provas e fui atingido por ela. Estou chocado”. O jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, aliás, doou R$ 10 mil para ajudar José Genoino a pagar multa de R$ 667,5 mil imposta pelo STF.


A estranheza do renomado jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, neste caso, não é isolada nem incomum, pois denota que parcela ponderável da população brasileira repudia o modus como se deu o processo e julgamento do Mensalão. Claro que muita gente apoiou e apoia a ação do "justiceiro" ministro Barbosa e seus pares, que desceram a chibata da lei sobre as costas de pessoas que nada tinham com aquele indigesto angu, mas, deveriam purgar o "pecado" de participar do projeto que levou à magistratura suprema da nação um torneiro mecânico nordestino. Aliás, sobretudo a Zé Dirceu, condenado a cumprir pena no regime semi-aberto, o juiz da execução criminal tem negado direitos comezinhos aos presidiários submetidos a esse regime,  em especial a possibilidade  de trabalho externo ( o apenado trabalha fora do estabelecimento prisional durante o dia e a ele se recolhe à noite). Os espíritos conservadores que comandam os veículos de comunicação e a máquina judiciária, ao que parece, não apenas querem punir "exemplarmente" Dirceu, Genoíno e Delúbio, mas, quebrar-lhes os ossos e, quem sabe, esmigalhar-lhes as almas. 

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