domingo, 4 de dezembro de 2011

Artigo de Paulo Afonso Linhares

OS SEM-PEDIATRAS

Paulo Afonso Linhares

“Es honra de los hombres proteger lo que cresce,
cuidar que no haya infancia dispersa por las calles,
evitar que naufrague su corazón de barco,
su increíble aventura de pan y chocolate
poniéndole una estrella en el sitio del hambre [...]”.
MERCEDES SOSA, cantora argentina.
           
          A sociedade brasileira abandona suas crianças e esquece seus idosos; não há lugar, no Brasil, para os muitos novos nem para os tantos velhos. Por isso é que essas duas “pontas” que compõem a população deste país tendem inexplicavelmente a viver num limbo. Claro, no plano legal essa circunstância é favorecida com belas leis – o famoso ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003) - decerto que transplantadas de outros contextos sociais, culturais e históricos sem as devidas “reduções sociológicas”, para utilizar essa atitude metódica de conteúdo crítico-assimilativo cujo enunciado é uma formulação de Alberto Guerreiro Ramos (in A redução sociológica. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1996). O ECA, de inspiração claramente escandinava, jamais foi assimilado pela sociedade brasileira a guisa do excesso de paternalismo quanto aos atos infracionais praticados pelas crianças e adolescentes, com ausência de punição mais efetiva. E inventam bobagens como essa da diminuição da maioridade penal para 16 anos. Noutro azimute, a proteção dada ao idoso finda muitas vezes sendo uma razão a mais para sua discriminação, ao invés de protegê-lo. Todavia, a questão do idoso é outra história à parte. Cuidemos dos pequenos em primeiro lugar.
            Com efeito, a felicidade das crianças e as suas perspectivas como “futuro da nação” têm sido um mote recorrente nos discursos dos políticos, com ou sem mandato; é como um amuleto poderoso que o apelo aos tais “baixinhos” funciona na hora de catar o voto ou, no exercício de mandato, para iludir o cidadão. No entanto as ações efetivas em prol das crianças não ocorrem. Como imaginar que uma cidade de porte médio, em processo velocíssimo de desenvolvimento econômico, como é o caso de Mossoró, não tenha sequer uma clínica médica, pública ou privada, voltada para a população infanto-juvenil. As unidades pediátricas que havia em Mossoró, de caráter privado, desapareceram. Hoje, todas as urgências pediátricas deságuam em unidades de saúde que, em regras, seriam inadequadas para o seu atendimento, ademais de ser tecnicamente desaconselhável essa “mistura”. Claro, se a iniciativa privada não se interessa por manter hospitais ou clínicas para atendimento das crianças de Mossoró, é inafastável o dever ético-político dos Poder Público de aparelhar um serviço médico-hospitalar que absorva essa demanda, que não é pequena e em muito agravada pelas condições de miséria da população, ainda não debelada por algumas vigorosas (e não menos criticadas...) ações estatais e políticas públicas, com destaque para o programa da “Bolsa-Família” mantida pelo Governo Federal.
            O mais grave, todavia, é que por mais eficiente que possa ser a manifestação da vontade política do Poder Público – estadual ou municipal - na montagem desses serviços de atendimento médico-hospitalar à população infantil, falta um dos atores principais desse processo: os médicos pediatras. Do mesmo modo como é inexplicável o desaparecimento dos dinossauros, há milhões de anos, é difícil compreender o completo esvaziamento dessa especialidade médica nos dias atuais, ao menos nesta região. Ao que se afigura a questão não tem um fundo econômico-financeiro, pois embora haja especialidades médicas que tenham excelentes desempenhos na arte de ganhar dinheiro, sobretudo com a medicina de alta tecnologia, que emprega aparelhagens sofisticadas tanto para diagnósticos quanto mesmo para os mais diversos tratamentos e intervenções cirúrgicas. Enfim, a figura do velho médico do interior, como o indefectível estetoscópio no pescoço, apalpando aqui e ali, examinando olhos, ouvidos e gargantas deixou de existir. O forte mesmo são as máquinas de fazer medicinas, aquelas coisa horrendas, como os tomógrafos e similares, que infundem nas pessoas a sensação de proximidade do túmulo...
            Aliás, as faculdades de medicina públicas deveriam dar ênfase ao estudo e formação nas especialidades básicas voltadas para atender a um perfil mais sanitarista, de medicina social, do que investir na formação de profissionais que se voltam para áreas sofisticadas e inacessíveis à maioria da população. Sem maiores delongas, é preciso incentivar a formação médica em especialidades que, hoje, não seriam assim tão atraentes para os futuros médicos e médicas, por razões as mais diversas, a exemplo da pediatria. As nossas crianças precisam dos cuidados de bons médicos pediatras, nas clinicas e hospitais que lhes sejam próprios porque, como reza a bela Canción para um niño en la calle, na inesquecível voz de Mercedes Sosa, “[...] então as mãos são inúteis fardos/ e o coração, apenas, uma má palavra”. As crianças agradecem. 

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