Amar é faculdade,
cuidar é um dever
Por Josedalva Campos*
A Constituição Federal equiparou homens e mulheres e o Código Civil de 2002 (art. 1.583, § 2º) diz que a guarda unilateral de filhos será atribuída ao genitor que revelar melhores condições para exercê-la. Essa norma propõe uma modificação cultural tão expressiva quanto à das políticas de extinção dos preconceitos que se insurgiram ao longo dos últimos anos.
Direito e dever dos pais ou de cada um dos cônjuges de ter em sua companhia os filhos nas diversas circunstâncias previstas na lei civil, a guarda também pode assumir o significado de custódia. A legislação em vigor atribui a guarda a quem tiver melhores condições, embora não se especifique se seriam essas condições as financeiras.
Na prática, todo mundo sabe que quem segura as pontas da família é a mãe. Geralmente, é a mãe que, na ausência do pai, assume a responsabilidade sobre os filhos quase que instintivamente. A ordem natural das coisas tem levado muitos pais a abandonarem os filhos. A lei tentou fechar o cerco aos pais irresponsáveis ao determinar pena de prisão aos que insistem em não pagar pensão alimentícia.
Isto é fato, mas não basta para tentar suprir a ausência de um personagem tão importante na vida de muitos. D. W. Winnicott vai mais além: para ele "o amor de mãe é algo semelhante a uma força primitiva. Nele se configuram o instinto de posse, o apetite e até certo ponto elemento de contrariedade, em momento de exasperado humor, e há nele generosidade, energia e humildade também".
Ponto pacífico, talvez esta seja a única lei no Brasil capaz de pôr o transgressor na cadeia sem choro e nem vela. Porém atualmente está banalizada pelo simples fato de termos uma Justiça excessivamente morosa em nosso país.
Quando toma conhecimento de uma ação judicial visando ao cumprimento de sua obrigação, o alimentante geralmente prefere fazer vista grossa ao fato de a genitora do alimentado ter já se desdobrado em busca de outros meios para suprir a necessidade mais imediata de seus filhos.
Neste contexto, a decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça, que obrigou um pai a pagar uma indenização de R$ 200 mil à filha que abandonou foi comemorada pelas Varas de Família em todo o país e, sobretudo, por mães. A decisão pode abrir um precedente importante para os pais, e também mães, pensarem duas vezes antes de abandonar os filhos. Afinal, conforme reconheceu a ministra Nancy Andrighi, que julgou o caso, “amar é faculdade, cuidar é um dever”.
Ao garantir a indenização por abandono afetivo, no dia 24 de abril deste ano, a ministra deixou muitos pais em alerta e outras tantas condutas tortas no sinal vermelho.
O caso em questão foi julgado improcedente na primeira instância judicial, tendo o juiz entendido que o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai. A autora recorreu, e o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença, reconhecendo o abandono afetivo e afirmando que o pai era “abastado e próspero”, o que demonstra que ele podia garantir o futuro da sua filha.
Ora, a autora da ação argumentou que não recebeu os mesmos tratamentos que seus irmãos, filhos de outro casamento do pai e isso é fato, visto que não teve as mesmas oportunidades oferecidas aos outros filhos. Para a ministra Nancy Andrighi, “não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família”.
É claro que não existem meios de apagar sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna que não seja o tempo, mas mostrar ao pai que você existe perante o país, sem dúvida deve ser um sentimento contentador. Além do que, se o pai tem o dever de “fornecer apoio à formação psicológica dos filhos”, a lição se deu aí às avessas. Tomara que ele e outros pais aprendam a lição.
Ainda assim deveria a população ser melhor esclarecida quanto a seus direitos e deveres, pois muitas vezes mães costumam usar os filhos como escudos em seus conflitos conjugais. Quando o casamento termina, não significa que os filhos também devem ficar separados, mas tentar-se evitar que os homens negligenciem suas responsabilidades de pai e que as mulheres procurem não esquecer que os filhos precisam de ambos os genitores.
A propósito, observa Waldyr Grisard Filho que "pais em conflito constante, não cooperativos, sem diálogo, insatisfeitos, que agem em paralelo e sabotam um ao outro, contaminam o tipo de educação que proporcionam a seus filhos, e, nesses casos, os arranjos da guarda compartilhada podem ser muito lesivos” a estes últimos.
Tomar decisões acerca do bem estar de crianças não é tarefa fácil. Aponta Freeman Dyson que "bebês não podem dar consentimento informando quanto a seu próprio nascimento e modo de criação. Apenas depois de crescerem poderão olhar para trás e decidir se serão os pioneiros privilegiados de um novo mundo ou as vítimas infelizes da ambição de seus pais". E a ciência pouco pode auxiliar na descoberta de soluções para problemas envolvendo o direito de família. Restam aos juristas as regras de sabedoria, de experiência, dos costumes, de percepção e a prudência.
Contudo, dada a ancestral e quase intransponível letargia que permeia a nossa Justiça, como também o fato inconteste de que a barriga do ser humano não pode esperar, bem que se deveria criar no Brasil uma vara (secretaria) específica para atender as demandas de pensão alimentícia. Tomando como exemplo a implementação da central de precatórios, tais processos ganhariam em celeridade efetiva e seriam julgados com a urgência que cada caso requer.
(*) Pedagoga e consultora jurídica
E-mail: josedalva.adv@hotmail.com
Eis que a guarda compartilhada veio para desmistificar a ideia de que apenas a mulher deve ficar com a guarda da criança. Tem-se que se conscientizar de que não são os interesses dos pais que são relacionados nas ações que tramitam nas varas de família. São interesses daqueles que sequer podem externar ou discernir corretamente seus direitos, são os menores e/ou incapazes os principais destinatários desses direitos. Há de se lembrar também que a guarda compartilhada parte do princípio de que os dois pais tem iguais condições emocionais e financeiras iguais e que o direito não é do pai/mãe visitar ou permanecer com seu filho e sim deste de permanecer com seus progenitores.
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