domingo, 12 de maio de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares


REVÉS DA FARTURA 
Paulo Afonso Linhares 

No campo das ciências sociais, uma das ideias mais felizes já concebidas foi a da sustentabilidade, como qualificadora do processo de desenvolvimento humano. Com efeito, entende-se por sustentabilidade um conjunto de ações e atividades humanas, relacionadas com o desenvolvimento econômico e material, cujo objetivo é satisfazer as necessidades dos seres humanos, porém, em harmonia com o meio ambiente e sem comprometer o futuro das próximas gerações, nem a vida do planeta Terra a partir de uma apropriação inteligente, parcimoniosa e planejada dos recursos naturais. 
O desenvolvimento sustentável pressupõe equilíbrio; ações e atividades humanas devem ser harmônicas e complementares, para atingir a dimensão da sustentabilidade. Com efeito, embora o Brasil viva, neste momento, um ciclo virtuoso de sua economia, uma série de graves erros e vícios do passado tende a influenciar os rumos do atual processo de desenvolvimento nacional, a começar pelos enormes desequilíbrios entre as regiões do país. Ademais, merece lembrar que durante muitas décadas o Brasil teima em manter um modelo de desenvolvimento econômico que se baseia no transporte rodoviário, decisão essa adotada pela elite que assumiu o poder em 1964, com a derrubada do governo João Goulart. 
Assim, a partir de então tudo se fez, no plano federal, para arrasar dois importantes modais de transporte: o ferroviário e o da navegação de cabotagem. Sem dúvida, a possibilidade de livre e rápido acesso aos mercados inter-regional e internacional é fundamental para manter a competitividade dos produtos comercializados. É esta a maior dificuldade que enfrenta, atualmente, o agronegócio brasileiro, mormente em face da superprodução de grãos na safra 2013, cuja estimativa atinge a cifra de 185 milhões de toneladas (segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a quarta estimativa da safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas, referente ao mês de abril, indica a produção de 185 milhões de toneladas, uma alta de 14,2% com relação ao resultado de 2012 e de 2% com relação à estimativa de março, que era de 181,3 milhões de toneladas).  É significativo, também, o crescimento da área plantada de 52,8 milhões de hectares, em 2013, contra 48,8 milhões de hectares, em 2012, o que representa um, incremento de 8,2% da área de produção de grãos (caroço de algodão, amendoim, arroz, feijão, mamona, milho, soja, aveia, centeio, cevada, girassol, sorgo, trigo e triticale). 
Nunca a agroindústria brasileira obteve resultados tão avultados, todavia, acompanhados de enormes perdas em face da péssima infraestrutura de transporte/armazenamento desses produtos agrícolas a partir de três graves obstáculos logísticos: 1) péssimo e dispendioso transporte rodoviário, que utiliza uma malha de rodovias deterioradas, isto sem falar no enorme déficit de veículos de carga; 2) sistema portuário arcaico, ineficiente e caro; e 3) estrutura insuficiente de armazenagem de grãos. Estes desarranjos logísticos implicam enorme aumento de custos, em prejuízo da competitividade desses produtos no mercado internacional. Impõe-se, assim, que esses gargalos sejam resolvidos, numa ação conjunta do poder público e da iniciativa privada. 
É urgente e imprescindível que o Governo Federal, naquilo que lhe cabe, planeje e ponha em prática uma política de transportes que estabeleça novos e integre os vários modais existentes (rodoviário, ferroviário, marinho e fluvial); reestruture o sistema portuário nacional, de modo a estabelecer níveis de eficiência e de custos compatíveis com os sistemas portuários dos países da América do Norte, Europa Ocidental e da Ásia (China, Japão e Coreia do Sul); e, por fim, seja posta em prática uma política de armazenamento de grãos, sobretudo, de incentivo fiscal e de financiamento à iniciativa privada para construção de novas unidades nas regiões produtoras. Sem dúvida, um dos pontos de fragilidade da economia brasileira é a falta de investimentos na infraestrutura logística do país (o Brasil investe apenas 1,5% do seu PIB nesta área, quando deveria ultrapassar os 5%). Segundo dados da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos da América (Amcham-Brasil), a economia brasileira “perde o equivalente a US$ 83,2 bilhões por ano com custos logísticos em função de problemas que vão desde a elevada burocracia até a limitada infraestrutura de estradas, ferrovias, portos e aeroportos. O prejuízo representa em torno de 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB)”. Com o superlativo aumento da produção agrícola em 2013, esses números tendem infelizmente a crescer. E a fartura vira pesadelo. Por isto, todo esforço é válido para mudar esse sombrio quadro. E o Brasil pode.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.