O equivoco do Projeto
de Lei 6.441/2013
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Foi apresentado pelo deputado pernambucano Eduardo da Fonte (presidente da Comissão de Minas e Energia), no dia 26 de setembro último, na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei nº 6.441 que propõe “criar no âmbito do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), o Conselho de Empreendimentos Energéticos Estratégicos (CNEE), destinado a analisar, avocar e decidir, em última e definitiva instância, o licenciamento dos empreendimentos do setor elétrico considerados estratégicos para o Brasil”.
Se não bastasse Pernambuco contar com um governo que não dá a mínima pelo meio ambiente, outra singular personalidade deste Estado quer sepultar de vez as preocupações multidisciplares e reduzir de vez a interesses paroquiais, o processo de licenciamento ambiental, uma exigência legal (Lei 6.938/81, Resoluções do CONAMA: 001/86 e 237/97, e Lei Complementar 140/11) a que estão sujeitos todos os empreendimentos ou atividades que empregam recursos naturais ou que possam causar algum tipo de poluição ou degradação ao meio ambiente.
O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo pelo qual é autorizada a localização, instalação, ampliação e operação destes empreendimentos e/ou atividades. O PL em questão visa retirar do IBAMA o poder de ser o órgão licenciador de empreendimentos energéticos considerados estratégicos, primeiramente, para o país, não necessariamente para o governo. Hoje, essa função cabe aos órgãos ambientais estaduais ou ao IBAMA, no caso de empreendimentos de grande porte, capazes de afetar mais de um estado, o que costuma ser a regra no setor de energia. Além dos órgãos licenciadores, há os órgãos auxiliares, como as autarquias que cuidam de áreas protegidas e precisam dar um parecer sobre a obra, caso ela afete sua área de atuação. Se uma hidrelétrica atinge uma terra indígena, por exemplo, a FUNAI participa do processo de licenciamento.
Com o novo projeto de lei, o IBAMA e os órgãos auxiliares seriam ouvidos, porém a palavra final ficaria com o novo e poderoso conselho, composto por um representante da Câmara dos Deputados e um representante do Senado Federal; e pelos ministros da Casa Civil da Presidência da República, das Minas e Energia, da Justiça, do Meio Ambiente e da Cultura. Enfim, uma proposta contrária aos interesses nacionais – um grande equivoco, que amplia a ação da “mão pesada do Estado” sobre assunto de elevado conteúdo polêmico e com vasta legislação em vigor, que não está sendo cumprida adequadamente.
A justificativa do nobre deputado é simplória e demonstra uma óbvia falta de conhecimento da realidade complexa que envolve tais empreendimentos. No PL encaminhado, a justificativa é que “o Brasil precisa crescer e se desenvolver para permitir o resgate de nossa imensa dívida social. Para isso, nosso povo precisa de energia elétrica barata”. Ainda afirma que existem entraves e indefinições no processo de licenciamento de empreendimentos elétricos, e que há “demora injustificada, exigências burocráticas excessivas, decisões pouco fundamentadas”. Quantos disparates num só parágrafo!
Como descreve o prof. Célio Bermann, da Universidade de São Paulo, “este processo de criminalização dos movimentos sociais e de redução dos espaços de resistência vem sendo acompanhado de uma sucessão de tentativas de modificação do licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos”.
Estas tentativas e intenções de mudanças e de simplificação do licenciamento ambiental já correram em outros momentos recentes de nossa historia, e acabaram não tendo continuidade. Em janeiro de 2007, o diretor geral da ANEEL anunciou um Projeto de Lei para a criação de Reservas para a Exploração de Potenciais Hidroelétricos, que seriam áreas demarcadas pelo governo, sem considerar as restrições de ordem ambiental. Em seguida, em março de 2007, outro Projeto de Lei foi anunciado com o objetivo de identificação de projetos de centrais hidroelétricas estratégicas que seriam avaliadas por um Conselho de Segurança Nacional (de triste lembrança para os brasileiros), sem passar pelo órgão ambiental federal, o IBAMA. Em dezembro de 2008, mais outro Projeto de Lei, agora proposto pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, procurava instituir um procedimento “reduzido” de licenciamento ambiental para obras de infraestrutura definidas como estratégicas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Amazônia Legal, que teriam um prazo (reduzido a quatro meses) diferenciado daquele estabelecido no art. 14 da Resolução CONAMA nº 237/1997.
Como observa o prof. Bermann “muitos dos empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental devem a demora do seu licenciamento, ao não atendimento dos prazos pelo próprio empreendedor. Ainda, um número significativo de obras encontra-se paralisado, não por dificuldades de obtenção do licenciamento ambiental, mas por problemas de insuficiência de recursos financeiros para as obras”.Estas três tentativas anteriores de modificação do licenciamento ambiental revelam como a questão ambiental tem sido menosprezada pelas autoridades, desnudando completamente a contradição entre o discurso com preocupações sociais e ambientais, e a prática na contramão dos interesses das populações.
Novamente o governo Federal volta à carga, tanto no Senado Federal como na Câmara dos Deputados, usando da força política, age de forma torpe para (1) impedir a discussão de interesses locais, regionais e nacional, para (2) remeter a decisão para Conselhos antidemocráticos, com ampla maioria de ministros do Governo; e, também, para (3) dificultar a ação legítima e democrática do Ministério Público, sempre que este julgar necessário intervir.
No caso do PL 6.441/2013, espera-se que o deputado da Fonte não leve adiante este desserviço às gerações presentes e futuras de nosso país, e, de modo sensato, retire o seu projeto.
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