COISAS DA
SOBERANIA POPULAR
SOBERANIA POPULAR
Paulo Afonso Linhares
Ao escolher a democracia
representativa como regime político
predominante, o constituinte de 1988 escreveu, na parte primeira do seu artigo
14, que "A soberania popular será
exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...)",
para estabelecer peremptoriamente como balizador político e jurídico do Estado de Direito brasileiro o chamado "princípio democrático", pelo qual “todo poder emana do povo, que o exerce
por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”.
Claro, como adverte José
Afonso da Silva, “a
configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir
formalmente os conceitos de Estado democrático e Estado de Direito” ( 2005, p. 119).
Com efeito, o Estado Democrático de
Direito foi a escolha maior do conjunto
de segmentos sociais que trouxe a lume a atual Constituição Federal, em 5 de
outubro de 1988, há
exatos 25 anos, para implementar um grau superior de organização da sociedade brasileira, a partir
da subordinação
dos cidadãos à
ordem jurídica
por ela instituída
e alicerçada
num sistema de direitos fundamentais - individuais e coletivos - na justiça social, na igualdade, na
legalidade, na divisão
dos poderes ou de funções
do Estado e na certeza e segurança
jurídicas.
O Estado Democrático de Direito é
caracterizado pela prevalência
do princípio da maioria,
enquanto técnica
em que consenso se estabelece sempre pelo maior número dos cidadãos que expressam seu consentimento
através
do voto direto e secreto, na condição
de legítimo titular do poder, posto que, em regra, o exerça através de representantes, ademais de
utilizar, também,
instrumentos típicos
da democracia direta e semidireta (plebiscito, referendo e iniciativa popular
de projeto de lei). Para a ordem constitucional implantada em 1988, os
processos políticos
de legitimação
do poder regem-se por normas democráticas, como eleições periódicas pelos
cidadãos,
bem assim respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias
fundamentais proclamadas na mesma Constituição.
No chão da democracia a vontade da maioria,
expressa através
do voto direto e secreto, se faz soberana, embora sem esmagar a minoria. No
entanto, é
comum nas sociedades em que têm
realce práticas
autoritárias
e oligárquicas
as tentativas de substituição
da vontade soberana dos cidadãos
por indivíduos
ou mesmo por pequenos grupos encasteladas na burocracia estatal e detentores de
atribuições
que lhes permitem tomar decisões
com alto poder de resolutividade e grande alcance social. Neste campo si situam
os membros do Poder Judiciário
e, em menor medida, os do Ministério
Público.
As normas que regulam o sistema
eleitoral brasileiro são
cada vez mais severas, com a ampliação
das hipóteses
de vedação
de condutas, ou seja, aquilo que o eleitor, partidos políticos, candidatos e autoridades públicas não podem fazer. A miríade de proibições contida no marco regulatório eleitoral dá ao aplicador do direito, ao juiz, uma
margem enorme de decisões
derivadas de interpretações
desautorizadas e até
equívocas
de normas legais em confronto com fatos, nas quais avultam aspectos pessoais,
políticos
e mesmo ideológicos,
em detrimento das posições
prevalentes na jurisprudência
dos tribunais e na opinião
majoritária
dos doutrinadores do Direito.
Por isto é que nos julgamentos das diversas ações judiciais em matéria eleitoral deve prevalecer um
tratamento parcimonioso e de inafastável
serenidade, de modo que a decisão
do juiz, individual ou mesmo coletivo, não
venha a substituir as manifestações
da soberania popular através
das eleições
de agentes políticos
paras os diversos níveis
de governo e parlamentos. Parece indubitável
que as regras que coíbem
abusos do poder econômico
e político,
vícios
e práticas
ilícitas
que permeiam os processos eleitorais, devem ter efetividade, isto é, exigem integral cumprimento para
coibir quaisquer atitudes que possa debilitá-los da legitimidade que é o pressuposto da soberania popular.
Entretanto, numa base de proporcionalidade, é fundamental sejam sopesados valores
em confronto, com a preservação sempre que possível das manifestações
da vontade majoritária
dos cidadãos,
plasmadas nas urnas eleitorais, expressão
concreta do "princípio
democrático"
que imanta todo o sistema constitucional brasileiro implantado há um quarto de século. A propósito, bem disse recentemente o
presidente Barack Obama, diante do impasse na votação do orçamento federal
norte-americano:"Não
podemos fazer da rotina de extorsão
parte da nossa democracia". Pano rápido.
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