O DECRETO DA DISCÓRDIA
Paulo Afonso Linhares
Uma das críticas mais frequentes feitas aos
governos petistas, nos últimos 11 anos e meio, foi a circunstância
de conviver com a estrutura arcaica e paternalista do Estado brasileiro,
porquanto em momento algum tanto Lula quanto sua sucessora Dilma Rousseff
lograram patrocinar reformas mais aprofundadas no perfil institucional
cristalizado na Carta política de
1988. Aliás,
uma dos raros mea-culpa do ex-presidente Lula sobre os seus oito anos na presidência da República foi não ter começado seu primeiro governo com a
reforma política,
embora tenha empreendido reformas constitucionais em matéria tributária e de previdência
social - incompletas e muito capengas, sobretudo, a primeira - sob o signo
daquilo que, posteriormente, viria ser chamado de "Mensalão",
ou seja, não
fosse um eficiente esquema de pagamento a parlamentares nem estas teriam se
concretizado.
Para aprovação de uma reforma que representasse
mutação
superestrutural mais profunda capaz de modernizar as instituições
jurídico-políticas brasileiras, o governo Lula
teria necessitado de muito mais musculatura e certamente de algo mais eficiente
do que o compra-compra pontual de deputados e senadores: para conseguir os
cinco anos de mandato presidencial, o cobra criada José Sarney promoveu fartíssima distribuição de emissoras de rádio e de televisão; sem destoar dessa prática política
clientelística,
o acadêmico Fernando Henrique quase torra o dinheiro do BNDES para
conseguir a aprovação, no Congresso Nacional, da reeleição para cargos executivos, contrariando a tradição
constitucional brasileira.
Enorme polêmica
levantou a presidenta Dilma, recentemente, com a edição do Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014, que
"institui a Política
Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional
de Participação
Social (SNPS)". Os conservadores de todos os matizes têm jogado os cachorros contra Dilma, acusando-a de
"bolivarização"
ou, mais grave, de "cubanizar" o Brasil, passando pela imputação
de autoritarismo velado e de agressão às instituições
vigentes. A acusação,
todavia, que causou mais impacto foi a de que a presidente pretende criar instâncias
deliberativas paralelas ao Congresso Nacional, inclusive para possibilitar que
o seu partido, o PT, continue a dar as cartas na política nacional, mesmo que
eventualmente perca a presidência
da República. A partir daí não
tem limite o que os opositores do governo Dilma, entre a paranoia e o
histerismo anticomunista, começam a engendrar.
Claro que, sem entrar em aspectos
materiais do decreto em comento, inegável que ele padece de dois vícios:
ter versado sobre temática somente cabível em lei complementar e não
ter sido objeto de discussão prévia com a sociedade civil e,
sobretudo, com as outras instâncias institucionais da República,
mormente os poderes Legislativo e Judiciário. Erigir novas instituições políticas cujo desiderato é
"fortalecer e articular os
mecanismos e as instâncias
democráticas
de diálogo
e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade
civil" com a utilização de simples decreto parece um grave
erro, sobretudo, quando escamoteia a discussão imprescindível do tema nas duas casas do
Congresso Nacional.
Aliás, o uso de uma espécie
legislativa inadequada, pelo baixo grau de legitimidade que enseja, como é
o decreto, termina por alimentar as
especulações
conservadoras de uma postura golpista por parte da presidenta Dilma, embora
seja absurda a argumentação de que as instâncias instituídas
pelo Decreto nº 8.243/2014 serviriam para perpetuar o
PT no poder, mesmo na hipótese de a oposição vencer a eleição presidencial deste ano; nada mais
tolo: a vitória
de um dos opositores de Dilma seria suficiente para, em primeiro de janeiro de
2015, impor revogação desse decreto. Rápido
e simples. Infinitamente bem mais fácil, sim, do que revogar uma lei
complementar, por exemplo. Ao que parece, o que remanesce dessa discussão toda é a
utilização
política
negativa desse decreto, pela oposição, à falta
de algo mais consistente que possa colocar Dilma e seu padrinho político,
o ex-presidente Lula, no canto do ringue da política brasileira. O povo eleitor nem dá
trela para o besteirol pedante que
envolve essa celeuma de abstrações e jurisdicismos intraduzíveis
para a sua linguagem. O chamado homo medius está mais preocupado é com coisas bem concretas do seu
cotidiano: o preço
dos alimentos, melhores condições de
moradia, transporte, segurança, educação e saúde.
Por isto, a investida da oposição a Dilma soa fortemente como coisa
de amadores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.