O LEGADO DO CORVO
Paulo
Afonso Linhares
Por
mais de três décadas
teve destaque na cena política brasileira uma das personagens
mais controvertidas e não menos geniais da história
deste país: Carlos Frederico Werneck de
Lacerda, chamado Carlos Lacerda ou simplesmente Lacerda; por seu visual
soturno, as roupas negras, os olhos fundos sempre guarnecidos por pesados óculos
aro de tartaruga no rosto sempre crispado, o gestual ríspido
e inquieto, sobretudo, pelo majestoso domínio de candente oratória,
seus milhares de desafetos passaram a chamá-lo apenas de "Corvo", não
apenas pelo aspecto taciturno, mas, também, pelo espírito
atilado e os raciocínios velozes e cortantes, emoldurados
numa luminosa torrente de palavras a metralhar impiedosamente múltiplos
alvos, inclusive, algumas vezes na forma
de "fogo amigo". Para ele, as palavras eram lâminas
a dilacerar reputações em renhidos combates verbais nas
tribunas parlamentares, bem assim através
da imprensa escrita ou falada, onde usava e abusava de recursos retóricos
tão impactantes que fariam corar os
mais afamados dos filósofos sofistas gregos de antanho, a
exemplo de Protágoras, Górgias
de Leontini ou Hípias. Impulsivo e desprovido de tolerância,
Lacerda não conhecia as meias-palavras, os
meios-termos ou meios-tons; tudo nele cheirava a extremos.
A
formação inicial de Lacerda (era filho do político, tribuno e escritor Maurício de Lacerda)
foi no campo da esquerda, sob forte influência familiar, porém,
tornar-se-ia passos adiante o corifeu da direita golpista encastelada na União
Democrática Nacional (UDN), a combater tudo
que tivesse pertinência com Getúlio
Vargas e seu paradoxal legado político bifronte: o Partido Social
Democrático (PSD), conservador e
representativo das oligarquias agrárias; e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de caráter
urbano e que congregava as bases do sindicalismo oficioso. Em 1954, tanto
Lacerda e seus acólitos fustigaram um Vargas já
cansado de muitas guerras que este, presidente
democraticamente eleito e no exercício da magistratura suprema da nação,
saiu "da vida para entrar na História", com um tiro no próprio
coração.
E
a tragédia getuliana não
deteve o Corvo e seus asseclas: tudo tramaram para que dez anos depois, em
1964, o herdeiro de Getúlio, João
Goulart, fosse - apeado da presidência da República,
mergulhando o Brasil numa ditadura que se prolongaria por mais de duas décadas
e que, por obra do efeito termidoriano próprio de golpes de Estado dessa feição,
o próprio Lacerda foi cassado e posto fora
da política pelos militares seus antigos
aliados (não seria ele uma das "vivandeiras
alvoroçadas a rondar os bivaques dos
granadeiros", segundo imagem forjada pelo marechal Castelo Branco?). O
golpista derruba-presidentes provou de dose cavalar do veneno espargira
discurso a discurso, artigo a artigo panfletário
de jornal; cada petardo que arremessou contra as instituições
republicanas lhe foi devolvido pelos seus ex-amigos, então
donos do poder, cobrindo-o com o manto sombrio do ostracismo e fazendo com que
precocemente viesse a perecer.
Com
efeito, trinta e sete anos após a morte de Lacerda, aos 63
anos, o seu legado está
bem evidenciado em várias
das correntes políticas e importantes setores da
imprensa que hoje fazem oposição aos governos petistas de Lula e de
Dilma Rousseff. O estilo é o mesmo, a intolerância
idem. Falta-lhes o talento, a inteligência e a genial retórica
do Corvo, o que não os impede de infligir constantes
reveses aos seus alvos, a exemplo dos ataques que vêm
sofrendo a própria presidenta Dilma (recorde-se do
recente "Dilma vá tomar no..." gritado por vips e
socialaites no luxuoso camarote do Banco Itaú,
na abertura da Copa realizada no estádio Itaquerão),
o seu governo e empresas como a Petrobrás,
alguns até justos e fundados, mas, outros
absurdos, histéricos, descabidos e até
criminosos. Mais estranho e paradoxal é
que o antigo Partido Comunista Brasileiro, hoje denominado
Partido Popular Socialista (PPS), tornou-se o mais agressivo dos herdeiros de
Lacerda. Aliás, isto somente vem a provar, como
ocorreu com o Corvo, que o esquerdista que "bebe o vinho do padre" da
direita é mais perigoso que buchada azeda.
A
moda dos corvinhos, inclusive aqueles travestidos de tucanos, é
falar mal dos gastos da Copa, depois de apostarem
todas as suas fichas furadas que esse evento seria uma enorme fracasso. Até
agora, fora a dentada que o jumento Suárez
deu no ombro do italiano Chiellini, tudo na Copa FIFA tem sido retumbante
sucesso; tudo funcionando como relógios suíços,
no ponto e vírgula, embora seja absurdo computar ao governo Dilma todos os acertos e
ganhos, pois os governos estaduais e municipais das cidades sedes têm
seu mérito, inclusive, malgré
tout, o governo de Rosalba Ciarlini. Aliás,
querer extrair dividendos de um fracasso nacional de todos os órgãos
envolvidos na realização da Copa 2014, é
uma péssima aposta bem no estilo
lacerdista, bem no estilo atentado da Rua Toneleiro, sem qualquer exagero.
Felizmente,
até agora não
é perceptível
na oposição ao governo Dilma a sanha golpista
que passou a ser um marca do udenismo, mormente no viés
lacerdista. Uma derrota nas eleições deste 2014 das forças anti-Dilma pode atiçar
essa faceta golpista. Pouco se pode esperar de uma oposição
incompetente e desqualificada que sequer logrou construir um discurso
competente na exploração das falhas do governo, sobretudo,
nos evidentes fiascos da atual política econômica.
Vale esperar os próximos capítulos
dessa novela eleitoral à sombra do Corvo, que nada tem a ver
com Edgar Allan Poe.
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