segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Artigo de Paulo Afonso Linhares

POLÍTICA: AS MÁSCARAS 
DE CADA UM

Paulo Afonso Linhares

Quando os deuses antigos quiseram inventar algo que alegrasse as noitadas no Olimpo, criaram o jogo da política, a arte da conquista e manutenção do poder. E nunca mais houve marasmo e tédios entre eles; cizânia, traição, dissimulações de toda ordem, retaliações, derrotas impiedosas e humilhantes, vitórias arrasadoras, vida e morte, sombra e luz. Um dado importante desde tempos imemoriais é a propensão das coisas, no mundo da política, de não serem o que parecem: tudo se dissimula, se falseia, superestima ou subestima conforme os interesses em jogo. Para os mais elegantes, que não comungam com as ideias do florentino Machiavelli, a política traduz o chamado "direito de cidade" (do grego polis = cidade), isto é, as atitudes positivas (ações) e negativas (omissões) daquelas pessoas que, pelas leis locais, têm direito de participar dos processos decisórios acerca de múltiplos aspectos da vida comunitária.
Numa linguagem contemporânea, lastimavelmente a política finda sendo um jogo de espertezas no qual predominam as máscaras de cada um, embora possa haver o oposto por trás delas. Veja que belíssimo conjunto de máscaras usado pelos peemedebistas que, para abocanhar grande parte dos cargos mais importantes do governo Dilma Rousseff, se fizeram 'dilmistas' desde criancinhas. O resto todos sabemos no que resultou: uma monumental rasteira aplicada pelo sr Temer e seus colegas deixou a presidente Dilma e demais petistas na rua da amargura, na melhor das hipóteses, ou pior, nas cadeias, a exemplo do que igualmente amargam José Dirceu, Antônio Palocci e outros mais. Enfim, uma traição solerte e impiedosa aos termos da aliança política que instituiu, em 2010, condomínio de poder PT-PMDB, tudo no melhor estilo do figurino maquiavélico.
Claro, grande parte dos desarranjos econômicos e políticos do governo Dilma devem ser jogados à conta do PMDB, embora os peemedebistas, no comando do poder da República em aliança com antigos adversários PSDB e DEM, façam de conta que nada têm com isso. Aliás, pretendendo externar a ideia de transição do seu governo, o presidente Temer lançou o slogan "A Ponte para o Futuro". O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, posto que seja aliado de Temer, diante da grave situação do Brasil hodierno, em recente declaração ao jornalista Mário Sergio Conti, da Globonews, fez pilhéria da consigna peemedebista ao afirmar que "o governo atual é uma pinguela (...) Se a pinguela cair, o Congresso terá de convocar eleições diretas. Porque é difícil governar nessa situação de escolha indireta pelo Congresso, sem o respaldo popular". A piada: ademais do nome quase pornográfico, "pinguela" significa uma fragilíssima ponte sobre um rio, geralmente um tronco ou prancha de madeira; em suma, uma 'ponte' muito precária e provisória. Ao que se afigura, é como os tucanos enxergam o governo do aliado Temer. E mais, conspiram contra ele.
O dado estonteante na cena política nacional é a presença de Lula no topo das pesquisas de opinião ultimamente realizada; ganharia as eleições presidenciais em todos os cenários apresentados. E tudo a despeito do enorme desgaste que sofre o PT e o próprio ex-presidente que, por obra do esquadrão do Ministério Público Federal, já coleciona cinco indiciamentos na Santa Inquisição da Lava-Jato, com denúncias recebidas pelo juiz Moro. Claro, nesses casos, sem exceção alguma, todas são acusações absurdas e juridicamente infundadas, construídas a partir de frágeis ilações que lhes imprimem um forte bolor teratológico, isto é, são pesados e ridículos aleijões jurídicos.
A propósito, em entrevista recente publicada no jornal O Estado de São Paulo, o cientista político Luiz Werneck Vianna, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, para quem os procuradores e juízes da Lava-Jato são "tenentes de toga" - "uma comparação com os jovens militares dos anos 20 -, mas, diferentemente dos revolucionários fardados do passado, não têm programa além de uma 'reforma moral' do País", explica o entrevistado. Em seguida, Vianna observa a existência de "uma inteligência" - a das corporações jurídicas, como o Ministério Público e o Judiciário - por trás de toda essa novela desgastante que tumultua a vida político-institucional brasileira, neste momento: "Essa balbúrdia é provocada e manipulada com perícia", referindo-se à espetacularização midiática de aspectos dos processos judiciais que envolvem principalmente os políticos, inclusive, sabidamente, com a prática de um ilícito que já se tornou comum e tolerado até pelo STF, que é o vazamento de informações, que por força da lei, deveriam ser sigilosas, por exemplo, como ocorreu com depoimentos prestados em acordos de delação premiada antes de sua aprovação judicial. De algo assim, até a presidente Dilma Rousseff, quando ainda estava no cargo, foi vítima da incúria do juiz Moro, que vazou para veículos da grande imprensa trechos de suas conversas com o ex-presidente Lula, obtidos em gravações telefônicas ilícitas. Embora tenha repreendido publicamente o juiz Moro, Teori Zavascki, ministro do STF que relata nessa Corte os processos da Lava-Jato, nenhuma punição aplicou.
Ora, isso nada importa para os que hoje fazem a "República de Curitiba", juizes e promotores federais, que se mantêm focados nos alvos previamente escolhidos e apontados por seus mentores decerto aboletados em impenetráveis gabinetes em Langley, sede da Agência Central de Inteligência (CIA), na Virgínia, Estados Unidos da América. Claro, são incalculáveis os danos que a Lava-Jato vem causando ao Brasil, infinitamente superiores aos malefícios da corrupção que diz combater. Parece evidente que a destruição de poderosos grupos empresariais, a exemplo da Odebrecht, atende a interesses norte-americanos facilmente identificáveis, em face da posição que essa empresa brasileira ocupava no mercado mundial, com presença em mais de cem países, com atuação em grandes obras de contenção civil, na área da alta tecnologia em diversos setores, inclusive, na fabricação de armamentos sofisticados como é o caso do submarino nuclear brasileiro, projeto esse que enfrenta forte objeção do governo norte-americano.
O mesmo se diga tocante à Petrobras, que é detentora exclusiva da tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas. Essas e as outras empreiteiras envolvidas no caso Lava-Jato, além do esfacelamento a que estão submetidas ficam obrigadas a pagar bilhões de dólares aos Estados Unidos da América e Suíça, em razão de acordos celebrados diretamente pelos procuradores da República, à revelia do próprio governo brasileiro.
Outro alvo da Força-Tarefa do MPF na Lava-Jato e do juiz Moro é o ex-presidente Lula. Sim, tudo será feito para torná-lo inelegível à eleição presidencial de 2018. Pode até ser que, num primeiro momento, seja contra-indicada uma prisão temporária do ex-presidente, porém, a sua condenação em um dos indiciamentos que seja se mantida na segunda instância - tornando-o um 'ficha suja' - já realizaria a tarefa que os adversários de Lula dificilmente conseguiriam nas urnas. Aliás, ressalte-se que não fosse a postura altiva e corajosa do ex-presidente diante de seus algozes togados, a situação hoje seria outra: na visão do também cientista político Fernando Schüler, professor do prestigioso Insper, de São Paulo, Lula tem usado uma estratégia de “lawfare” [uso do direito como arma de combate político], num enfrentamento direto com seus acusadores nos processos judiciais. "A lógica é patrocinar uma guerra política usando seu poder de comunicação, organismos internacionais, parte da imprensa e formadores de opinião, que reverbera em sua base social, sindical, partidária e acadêmica, muito fiel e agressiva". Em linguagem corriqueira, se Lula "não abre os braços" já teria sucumbido e estaria, desde logo, a ocupar uma das celas da Polícia Federal, em Curitiba.
Por fim, nesses jogos de cena da política brasileira, o próximo alvo será Michel Temer. Pelo que foi divulgado na imprensa, no âmbito de uma ação movida pelo PSDB, um relatório emitido por técnicos do Tribunal Superior Eleitoral revela irregularidades na prestação de contas da chapa Dilma-Temer, na eleição presidencial de 2014. A posição do TSE, que julgará o processo até fevereiro de 2017, certamente será pela cassação dos mandatos de ambos, já que nesse caso, Temer e Dilma estão "encangados" e, como tal, são inseparáveis, a não ser que cometa o absurdo de punir apenas esta. Tudo pode acontecer de bizarro e estonteante na política brasileira nestes ásperos tempos. Até boi voar...

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