domingo, 16 de abril de 2017

Artigo de Paulo Afonso Linhares

BRASIL: A CAIXA DE PANDORA

Paulo Afonso Linhares

"Muchos hombres, como los niños, quieren una cosa, pero no sus consequencias" (Muitos homens, como as crianças, querem uma coisa, mas não suas consequências), ensina o filósofo espanhol J. Ortega y Gasset. Foi o que veio à lembrança com o tsunâmi político-institucional que foi a divulgação da lista de Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal e relator dos processos que envolvem a Operação Lava Jato e investigados detentores de foro privilegiado. Enormes desconforto e sobressaltos variados. Uma monumental caixa de Pandora foi aberta e definitivamente põe em xeque um modo de legitimação do poder político que tem como base relações promíscuas entre políticos e empresários cujas empresas prestam serviço aos entes estatais. 
Inegável que a temida lista de Fachin é democrática e de forte pendor republicano, já que abarca praticamente todos os grandes políticos brasileiros - quase três centenas - distribuídos por 13 partidos políticos que, segundo delações de mais de 70 altos executivos da empresa Odebrecht, teriam recebido propinas sob forma de financiamento de campanhas eleitorais ou mesmo para cobertura de gastos pessoais de notáveis da política tupiniquim. O presidente da República, ex-presidentes, senadores, governadores, deputados e prefeitos: todos na vala comum dos comedores de propinas. 
Sem os chiliques de uma horda enorme de idiotas que ficam a guerrear nas redes sociais, a sensação que resta ao cidadão é de vergonha e ausência de esperança no futuro desse grande país governado por políticos liliputianos. Aliás, misturar o interesse público com negócios privados é sempre algo de um risco inominável. O que mais dói é que a tal opinião pública se revolta com revelações como as trazidas pelos delatores da Odebrecht, sem raciocinar que essa é a pratica política das velhas oligarquias desde os primórdios do Estado brasileiro. A novidade aí fica por conta da adesão - verdadeira ou fantasiosa - de alguns membros proeminentes do Partido dos Trabalhadores a essas relações pecaminosas com empresários inescrupulosos que, para conseguir benefícios jurídicos de redução de pena, delatam a até a própria mãe. 
Mesmo sem desejar defender corruptos quaisquer, acho que tem muito caroço nesse angu jurídico-processual. Em primeiro lugar, não é possível ignorar que toda a estrutura política brasileira - nas ditaduras ou nos momentos de democracia -, há muitas décadas, se caracteriza pela formação do conjunto das forças políticas que controlam o aparelho de Estado tendo como base os interesses oligárquicos regionais e locais. 
O financiamento de toda essa atividade política se cristalizou nas mãos de empresas fornecedoras de bens e serviço ao Poder Público, mesmo que usando os ‘disfarces' de processos licitatórios que, em tese, preservariam a igualdade de oportunidades de todos. Balela. Em geral, esses certames apenas servem para ‘legalizar' a rapinagem de recursos públicos. Em suma, os mecanismos do poder político, no Basil, são historicamente 'azeitados' por variadas formas ilícitas de financiamento em favor de partidos políticos, sindicatos, campanhas eleitorais, lideranças políticas individualmente consideradas e seu familiares. As propinas "falam no centro", como dizia antiga gíria.
Claro, nem sempre os recursos financeiros repassados por empresas empreiteiras de serviços públicos traduz ilicitude. Somente agora foi proibida a doação de empresas para partidos políticos e campanhas eleitorais. Assim, o fato de um executivo da Odebrecth dizer que, através do seu “Departamento de Operações Estruturadas”, eufemismos à parte, o departamento das propinas, ‘doou’ tantos e quantos para as campanhas de políticos X ou Y, nada indica que existisse aí uma ilicitude. O ilícito, nesse caso, estaria na especialização da doação: o repasse de um percentual incidente sobre contrato de obra ou a exigência de valor compensatório seria diretamente proporcional, porém, a alguma benesse, privilégio ou vantagem ilícita dado à empresa. A verdade é que, muitos dos políticos agora tidos como larápios ou coisa que o valha, após a divulgação da lista de Fachin, nada mais fizeram que seguir um velho ritual de captar recursos paras campanhas eleitorais junto aos grandes empreiteiros de obras públicas, no que parecia, até então, ser uma conduta incensurável, algo intrínseco ao sistema político.
A origem dos dinheiros ‘doados' nem sempre seria necessariamente ilícita, a exemplo do que fazem crer os noticiosos de mídias diversas, quando mais confundem do que informam. Por isso é que deve haver muita parcimônia na divulgação desses dados; para poder separar o joio do trigo. Afinal, ser citado por um delator premiado não implica culpa imediata: é preciso averiguar se efetivamente ocorreu ilicitude na operação. 
Ora, se uma empresa doou certa importância para a campanha eleitoral de determinado político e este fez os devidos registros previstos na legislação eleitoral, afigura-se absurdo imaginar que o beneficiário sabia necessariamente da origem criminosa desses recursos financeiros. Infelizmente, também, é evidente o uso político desses processos, em sua maioria voltado a impedir uma eleição de Lula para presidente, em 2018. Isto, porém, termina como mero efeito colateral. As 'escavações' expuseram gente demais para serem ignoradas, embora nada supere a explicação do presidente Temer para os 40 milhões que pediu à Odebrecht - 5% de um contrato assinado pela empreiteira com a Petrobras - numa reunião em São Paulo: seria uma captação pela Lei Rouanet para financiar a publicação de um livro de poesias de sua autoria! Insuperável. Pobre Shakespeare!
Uma coisa é certa: depois desse vendaval da Odebrecht, a política brasileira jamais será a mesma, pois o Brasil começa a ingressar numa nova era em que a ética nos costumes políticos substituirá as demonstrações várias de esperteza e maquiavelices que patenteavam as velhas práticas. Nada a causar tanto espanto, a exemplo dos pantins que marcam os noticiários da Rede Globo: o amadurecimento da democracia resgatada após 1985, após dar a lume a Constituição de 1988, atinge outros patamares de realização da cidadania política e, por isto, é relevante saber quem financia quem na política. 
Por fim, foi resposta uma verdade palmar: o chefão Emílio Odebrecht confessou que esse esquema de corrupção existe há trinta anos, ou seja, é anterior à 'era petista' cujo começo é de 2003. A despeito das injustiças e incompreensões que esses processos podem acarretar, o Brasil jamais será o mesmo depois. Quem pegou dinheiro sujo que arque com as consequências, cadeia, inclusive, doa a quem doer. Isso não pode nem deve acabar em pizza. Esperamos, de olhos voltados para o auriverde pendão desta terra que, de tanta vergonha, sequer a brisa do Brasil beija e balança...

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