domingo, 21 de agosto de 2011

Artigo de Paulo Afonso Linhares

O NINHO DE CANCÃO

Paulo Afonso Linhares



        Um anônimo e não menos perspicaz espectador da política mossoroense ousou fazer uma comparação que não deixa de ser genial, quando comparou o cenário da sucessão municipal de 2012 a um autêntico “ninho de cancão”. Ora, a sabedoria sertaneja usa essa locução para se referir a algo tumultuado e onde ninguém se entende. A gralha-cancã ou simplesmente cancão (Cyanocorax cyanopogon) é uma ave da família dos corvídeos, típica das zonas semi-áridas do Nordeste brasileiro, que constrói seu ninho em árvores altas, com formato de uma tigela grande e forrada com folhas secas, onde cria dois a três filhotes. Pássaro inteligente, a exemplo do corvo, seu parente próximo, a cancão utiliza várias estratégias de sobrevivência no agressivo ambiente da caatinga. E tudo de alimento que leva para o ninho vira objeto de acirradas brigas entre os filhotes, que armam disputas terríveis e até fraticidas. Enfim, o ninho do cancão é sempre numa enorme zorra. Mais feliz, pois, não poderia ser a comparação.

O primeiro complicador dessa história é se Mossoró tem ou não um dono. Para alguns analistas da cena política mossoroense somente a família Rosado teria a primazia de eleger prefeitos de Mossoró, cogitação que se afigurava como absurda até passado recente, embora vários membros dessa tradicional família tenham exercido esse cargo desde o começo do século XX, com a investidura do patriarca Jerônimo Rosado na intendência de Mossoró. Depois vieram Dix-Sept, Vingt, Dix-Huit e Fafá Rosado. Rosalba, três vezes eleita prefeita mossoroense, é apenas casada com um membro dessa família.

Claro, embora sem absolutizar o fetiche das urnas (nem sempre a eleição democrática confere a necessária legitimação do poder político, pois práticas clientelísticas como a compra do voto podem desvirtuá-la completamente), o certo é que toda pessoa que esteja em exercício de seus direitos políticos e filiada a um partido, pode concorrer ao cargo de prefeito de Mossoró. Se vai ser eleita, é uma outra história. Por outro lado, não se pode negar que os Rosado estão disseminados, no mínimo, em três subgrupos que, por seu turno, dominam o cenário político local: (i) o comandado pelo ex-deputado Carlos Augusto Rosado; (ii) o da prefeita Fafá Rosado; e o que atende à liderança da deputada federal Sandra Rosado. Obviamente que, nesse contexto de dominação oligárquica, os partidos políticos têm pouca ou quase nenhuma expressão, pois são meros joguetes na composição dos interesses estratégicos desses “pedaços” do rosadismo. Só que essa realidade é percebida, por alguns analistas, sempre com fortes cores de determinismo, como se esse cenário fosse imutável.

Fato é que se torna inconcebível a ideia de que uma cidade com o “pique” de Mossoró, uma das que mais crescem no país, possa ter donos. E não tem, nem jamais terá, muito mais enquanto se disseminar nas cabeças das pessoas noções de cidadania e do sentido republicano. O desenvolvimento econômico e social gera uma categoria de cidadão que pode votar livremente e sem vínculos com as tradições oligárquicas. Enquanto essas possibilidades não forem construídas e efetivadas – o que não chega a ser impossível nem extraordinário! -, restará apenas a observação distanciada, e não menos enfadonha, desse genuíno “ninho de cancão” em que se transformou a política de Mossoró. 

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