POLÍTICA SEM ÓDIO
PAULO AFONSO LINHARES
O ódio, enquanto exacerbação da intolerância, da não-aceitação do outro, contamina gravemente tudo que suas sombrias asas tocam. Aliás, é um sentimento, o ódio, cujas manifestações são sempre maléficas, desagregadoras, injustificáveis e altamente perniciosas. Motivado por outros sentimentos individuais como a inveja ou a soberba, é o ódio um pecado menor, porém, quando revestido pelo manto da supraindividualidade da política, da etnia ou da religião, ele se torna socialmente muito perigoso, pois é o combustível volaticíssimo dos conflitos sociais e das guerras. É bem certo que algumas pessoas veem alguma valia no ódio, a exemplo do escritor francês Jean Genet, quando diz , na obra Les négres, que [...] Ce qu'il nous faut, c'est la haine. D'elle naitront nos idées". "O que precisamos é de ódio. Dele nascerão nossas idéias".
Além do mais, tem o ódio a capacidade, em determinadas circunstâncias, de literalmente inverter os sinais das coisas, como ocorre na política: ora, se esta pode ser imaginada como expressão maxima da realização do bem comum, quando contaminada pela componente do ódio se transforma no seu oposto passando a ser inelutavelmente à figuração do mal. No seu Breviário dos Políticos, o cardeal Jules Mazarin, após advertir sobre a perniciosidade dos ódios e rancores, conclui dizendo que "[...] Nunca te arrogues de praticar uma política melhor do que a dos teus antecessores, nem de anunciar que as tuas leis são ao mesmo tempo mais rigorosas e mais equitativas, pois atrairias a animosidade dos seus amigos. Ainda que sejam perfeitamente justificados, nada reveles dos teus projetos políticos, ou pelo menos não fales senão dos que estás certo de que serão bem recebidos por todos".
O ódio religioso tem sido, paradoxalmente, uma das causas de grandes infortúnios da humanidade. Ao longo da História, quantos milhões de mulheres e homens não foram mortos "em nome de Deus". Na política tem sido historicamente maléfico e igualmente fez milhões de vítimas. E neste ponto que se fixa esta ligeira reflexão, mormente em face dos acontecimentos recentes que envolvem as campanhas dois candidatos à presidência da República, Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB.
Nessa reta final das campanhas uma componente de intolerância, de ódio
mesmo, infelizmente começa a permear perigosamente algumas manifestações políticas. Estranhamente o candidato Serra, habilíssimo na criação de factóides, se disse agredido por militantes petistas quando caminhava no Rio de Janeiro, quando teve sua cabeça atingida por um rolo de fita crepe. Diante dessa acusação, Dilma retrucou que também tinha sido "alvejada"
em Belo Horizonte por objeto jogado por partidários do tucanato.
Para piorar o quadro, o presidente Lula, inadvertidamente saindo de sua condição de supremo magistrado da nação, imputou a José Serra a condição de mentiroso, pois teria sido alvo de mera bolinha de papel... Ora, o presidente deveria ter partido do pressuposto de que qualquer tumulto ou embaraço à livre manifestação política é, no mínimo, um atentado à democracia e, assim, externado seu veemente repúdio àquela prática. Fosse ou não mais um dos factóides engendrados pelo tucano Serra e seus marqueteiros. E pedido a expulsão de qualquer militante de seu partido que porventura tivesse perturbado a manifestação política adversária. Afinal, deixa Serra fazer as caminhadas com suas bandeiras pela ruas do país; deixa que Dilma leve suas propostas às ruas livremente. Sem serem molestados. Afinal, a democracia se constrói na convivência de contrários e não basta apenas tolerar o outro, mas com ele conviver pacifica e respeitosamente. Contrariamente de muitos países do mundo, o Brasil pouco conhece das manifestações do ódio nas religiões, nas relações étnicas e, sobretudo, na política. É muito bom que assim continue. Nossas crianças agradecem.