O CARISMÁTICO E O RACIONAL
Paulo Afonso Linhares
Muitas vezes vi empresários, políticos, acadêmicos, profissionais liberais e até uns estudantezinhos mal saídos dos cueiros (nem sei mais se estes, os cueiros, ainda existem...), torcerem o nariz para alguns deslizes do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aliás, alguns dos quais, mais até do que o líder petista, impunham mal-tratos e rudes judiações à “última flor do Lácio inculta e bela”, para lembrar o belo hino à língua portuguesa talhado pelo poeta Olavo Bilac. Claro, todos borra-botas ou bundas-sujas de várias extrações se sentiam autorizados a esnobar o presidente-operário que, a despeito de ser meio falastrão e de ter fortes pendores populistas (este um mal de maioria dos políticos brasileiros de todos os matizes políticos, esquerda, centro ou direita...), mostrou-se competente na dupla gestão presidencial ao lograr êxitos em vários domínios, interna e externamente, que o colocam no nicho dos poucos estadistas brasileiros, a lado do imperador Pedro I e dos presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel. Além do mais, o ex-presidente Lula conseguiu a façanha da eleição de sua sucessora, Dilma Rousseff, na presidência da República. E quando muitos apostavam que ele sairia de cena, eis continuou pontuado os noticiários: que está a proferir conferências a duzentos e cinqüenta mil reais cada, já com um bom portfólio de grandes clientes, como a multinacional LG e a Microsoft; que, pasmem, recebeu com pompa e circunstância o título de Doutor Honoris Causa da vetusta Universidade de Coimbra. Enfim, é de fundir os neurônios atabalhoados que não sabem que sabedoria não se adquire necessariamente nos bancos das academias ou que o carisma é qualidade inata e de difícil aquisição para os que não a têm. Mais interessante, ainda, foi a participação de Lula no recente episódio que envolveu um polêmico artigo escrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ora, desde o dia que trouxe a lume um quilométrico, e até certo ponto meio enfadonho, artigo intitulado “O papel da oposição”, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sofre pesado bombardeio, inclusive uma enorme “barragem” do chamado “fogo amigo”. Primeiro foi o enorme pantim que deixou formar em torno das linhas mestras de um texto sequer publicado, ou seja, fez vazar para órgãos da imprensa, inclusive o poderoso jornal Folha de São Paulo, a temática que seria abordada no artigo que, afinal, foi publicado no número 13 da revista Interesse Nacional, de São Paulo (disponível em: http://bit.ly/fbLEga).
Claro, ninguém nega competência acadêmica a FHC, atual presidente de honra do PSDB. Tampouco se pode negar o importantíssimo papel que representou juntamente com o ex-presidente Lula na transição do Brasil para a modernidade, sobretudo, na remodelação pontual do arcaico e patrimonialista Estado brasileiro, seja no rearranjo do sistema bancário seja na adoção da ideia de um marco regulatório de finanças públicas voltado para a responsabilidade na gestão fiscal, plasmada, afinal, na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000. Isto sem falar nas linhas mestras de uma política econômica que, continuada na gestão do ex-presidente Lula, até o presente tem dando uma razoável estabilidade à economia nacional. É bem certo que FHC, contrariamente do que se imaginava, não estabeleceu nos seus dois períodos de governo da República uma agenda social minimamente viável, tanto que sua esposa, a socióloga Ruth Cardoso, encarregada de gerir importante programa de assistência social do governo federal (o programa “Comunidade Solidária”), abertamente divergiu do governo do marido, ao perceber a ausência de verbas orçamentárias para alimentar as ações planejadas. Porém, apesar da postura acadêmica, inegável o deslize que cometeu, no artigo publicado.
Grave foi que FHC, depois de fazer enormes digressões sobre a política brasileira das últimas quatro décadas, cometeu a enorme gafe ao dizer que a oposição deveria abandonar o “povão”, já conquistado pelo PT e investir politicamente nas camadas médias. Claro, a sua preocupação – bem atual – é que a presidenta Dilma começa a investir pesado na conquista dessa mesma classe média em certa medida esquecida nos governos de Lula, cujo foco foi investir pesadamente no resgate da dívida social em programas exitosos do porte do Bolsa-Família, elogiado pela revista inglesa The Economist como o maior programa mundial de distribuição de renda às populações carentes. Acesa a polêmica, FHC foi abandonado pelos próprios correligionários e aliados que, a toda evidência, não gostaram da ideia de abandonar o “povão”. Ouvido pela imprensa, Lula foi irônico quando disse que um ex-presidente afirmou certa vez que preferia o cheio dos cavalos ao do povo (general João Figueiredo) de, agora, outro ex-presidente (FHC) vinha a publico defender o abandono político desse mesmo povo. Foi uma machadada. O carisma de Lula suplantou a racionalidade do acadêmico FHC. Coisas do Brasil.
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