Caridade x Salvação: A inversão
Públio José
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Todas as religiões, sem exceção, doutrinam os seus seguidores – e os que não são – no sentido de que há de ser merecedor para ser salvo. As diferenças entre elas estão nos detalhes, nos pormenores. Porém, todas, no geral, batem numa tecla só: a do merecimento. Aí, para atingir tal dimensão espiritual, o fiel tem de fazer isso, aquilo, e mais aquilo outro. Outras, ao invés de exigir que se executem seus preceitos, enveredam pelo lado inverso. E proíbem, e proíbem, e proíbem. Algumas douram a pílula, prometendo – após a expurgação de pecados, através de tais e tais sacrifícios – que o suplicante alcançará o nirvana, espectro no qual um montão de virgens o conduzirá aos píncaros da glória, ao gozo eterno. Outras proíbem o uso de roupa de tal cor em certos dias; umas a ingestão de certos alimentos em dias ditos santificados; outras punem com os mais severos dos castigos os que ingerem bebida alcoólica...
Há também aquelas que pregam uma obediência irrestrita ao guru de plantão, transformando o pobre seguidor em escravo moderno de um hábito há muito banido da história dos povos; outras encarceram seus devotos entre quatro paredes a título de santificá-los pelo voto de pobreza, voto de silêncio ou de castidade; há as que exigem sacrifício de sangue – variando a ritualística se o sacrifício deve envolver animais ou seres humanos; outras se voltam para a adoração de extraterrestres, pregando a busca incessante por um contato, incerto e duvidoso, com agentes de outras galáxias; enquadram-se também nessa análise aquelas que professam a adoração aos elementos da Natureza, fazendo do sol, da lua, das estrelas muito mais do que simples planetas do Universo; há ainda as que têm na caridade a varinha de condão com capacidade suficiente para fazer o fiel habitar os átrios da luz e da eternidade.
Como se observa, há religiões para todos os gostos, manias, platitudes e idiossincrasias. A última à qual nos referimos é a que está mais na moda. Principalmente no segmento dos endinheirados – exatamente o tipo de gente que, do mesmo modo que adquire roupas, carrões e propriedades, pensa comprar, através da caridade, da atividade de distribuir algo aos mais necessitados, o tão sonhado passaporte para a vida eterna. A essas alturas, alguém há de indagar: onde está o erro em ser caridoso? Nada de errado. Pelo contrário. Caridade é gesto extremamente nobre, demonstração do mais puro espírito de amor. Mas não passa disso. Elevá-lo à condição de detentor da chave da salvação é um flagrante desvio do papel a ele restrito à seara dos sentimentos humanos. Afinal, caridade é um simples gesto, entre tantos outros, a integrar o rol de atividades de quem se almeja iluminado.
Pois se, pela caridade, a salvação fosse alcançada, passaria a ser ela um mero instrumento administrado pela ação humana, como tantos outros de responsabilidade do homem sobre a face da Terra. Na verdade, por força da doutrina de algumas religiões, outorgou-se à caridade uma preponderância tal que, de coadjuvante, passou a figurar como atriz principal no palco da vida, ocasionando uma inversão total na concepção do conceito de salvação. Por essa linha de pensamento, a caridade passou a conduzir à salvação, quando o inverso é o que realmente ocorre. O sentir-se salvo, tendo em vista um posicionamento espiritual originado da fé, acarreta profunda alteração na escala de valores, produzindo, com isso, a prática de obras advindas desse novo posicionamento. Nesse contexto, à caridade, agregam-se outros atributos como perdão, tolerância, compreensão, fraternidade, mansidão...
Solidariedade, magnanimidade, benignidade, bondade, temperança, todos, enfim, frutos do amor – matriz da qual derivam todos estes sentimentos. Assim, através da fé, pela qual se instaura uma nova postura interior, lastreada no amor, o homem é alçado à salvação e às obras daí decorrentes, das quais a caridade é uma delas. Nessa percepção, as religiões não se enquadram, haja vista, da parte delas, a necessidade de obras para o alcance da salvação. Aliás, salvação, fique claro, é atributo exclusivo de Deus, no qual não se encaixam invenções religiosas dos homens. Tanto é que, diante do cipoal de sacrifícios, dogmas e obrigações das religiões, uma exceção resplandece: Jesus Cristo. Que, ao contrário, nada exige, além da fé em si (“Pela fé sois salvos”). E o cristianismo? É religião. Portanto, invenção humana. Em vários aspectos não reflete Jesus. Jesus é Deus. Da salvação gratuita, entende? Vive la différence!
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