domingo, 29 de janeiro de 2012

Artigo de Paulo Afonso Linhares

DILMA E O 
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO

PAULO AFONSO LINHARES

            O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi obrigado a responder muitas vezes porque tivera, nos seus dois períodos presidenciais, aliados extremamente incômodos, sobretudo, pelas abissais diferenças político-ideológicas entre os tucanos (que reivindicavam a sofisticada herança social-democrata à moda europeia) e as viúvas da ditadura, encarapitadas no PFL (hoje DEM), PP, PTB etc. O seu raciocínio bem formado de sociólogo fê-lo defender com desenvoltura a tese de que nenhum partido, nem mesmo o seu PSDB, poderia governar sozinho; para garantir a governabilidade eram imprescindíveis as alianças com outras forças políticas a permitir a participação nos cargos do governo, sem caráter programático, constituiria uma qualidade do presidencialismo brasileiro.
Aliás, na esteira desse pensar, a expressão "presidencialismo de coalizão" foi cunhada pelo cientista político Sérgio Henrique Abranches [cfr. "O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro". In: Dados 31(1), 1988, p. 5-33], como caracterizadora do padrão de governança brasileiro cuja expressão abrange desde o relacionamento entre os Poderes Executivo e Legislativo até as alianças partidárias para sustentação do governo. A noção sugere a união de dois elementos - sistema político presidencialista mais a existência de coalizões partidárias. Ainda, segundo afirmação de Abranches: “Por ser presidencialismo, esse regime de governança reserva à presidência um papel crítico e central, no equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão” (cfr. "Presidencialismo de Coalizão e Crise de Governança. Conjuntura Política. Belo Horizonte, ABCP. Departamento de Ciência Política. UFMG, n.26, jun. 2001). A categoria forjada por Abranches deu muito “pano para manga” aos tucanos, sobretudo para o presidente-sociólogo FHC, que não sabia como explicar as companhias tão ruins que formavam o condomínio político de seu governo, notadamente os segmentos mais conservadores da política brasileira.
Apeados que foram do poder os tucanos, com a eleição de Lula como sucessor de FHC, eis que volta à tona a ideia de “presidencialismo de coalizão”. Claro, nos primórdios da Era Lula havia uma profunda desconfiança dos segmentos empresariais e mesmo de ponderável parcela das camadas médias da sociedade brasileira quanto ao sucesso do novo governo. Por isso foi que Lula teve que fazer algumas alianças com forças completamente opostas política e ideologicamente ao seu partido. A colocação do empresário José de Alencar da Silva como vice-presidente foi igualmente garantidora da enorme estabilidade política e econômica experimentada nos primeiros tempos do governo Lula, em especial em face de outras nações e dos investidores estrangeiros que, contrariado premonição do então presidente da FIESP, Mário Amato, não somente permaneceram no Brasil como ocorreu enorme incrementação dos investimentos estrangeiros nesse mesmo período.
O mais grave foi que, mesmo sem necessidade de certas alianças incômodas e contraditórias políticas e ideologicamente com o ideário de seu partido, o PT, o então presidente Lula manteve uma genuína “presidência de coalizão”, abrigando vários grupamentos conservadores e viciados nos velhos métodos corruptos e clientelísticos da política brasileira, tudo redundando num conjunto de relações políticas promíscuas que, num momento posterior gerou a grave crise do “Mensalão”. A saída mais fácil para o governo Lula foi, last but not least, a exacerbação dos pendores populistas do presidente, para superar a crise causada pela sua versão de "presidencialismo de coalizão".
No entanto, sob Dilma o "presidencialismo de coalizão" perdeu muita força e se torna cada vez menos “visível” nesse governo cuja titular tem atitudes bem diferentes de seus antecessores, quando evidencia a discrição, a elegância e uma enorme capacidade de tomar decisões, inclusive com o afastamento de auxiliares envolvidos em escândalos políticos. Dilma já afastou sete ministros além de vários outros auxiliares de segundo e terceiro escalão; não tem deixado que as “maçãs podres no barril” contaminem e ponha em cheque todo o governo, contrariamente do que fez Lula em seu governo, mesmo que essas atitudes da presidente Dilma possam ter repercussão na governabilidade, principalmente quando afeta a maioria do governo no Congresso Nacional. Dilma não tem feito essas concessões, tanto que, p.ex., quando da defenestração do senador Alfredo Nascimento do Ministério dos Transportes, plantou-se a versão de que isso seria um caos político para o governo Dilma. Ele perdeu o cargo e nada aconteceu; o PR continua na base governista. Enfim, o "presidencialismo de coalizão" parece estar com os dias contados, o que mostra uma importante mudança de postura institucional do Brasil. E Dilma tem tudo a ver.

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