domingo, 18 de novembro de 2012

Artigo de Paulo Afonso Linhares


QUE REPÚBLICA?

Paulo Afonso Linhares

           A proclamação da república completou, neste 15 de Novembro de 2012, cento e vinte e  três anos. Antes de ser uma marca o evento nos obriga a uma reflexão em torno do que seja efetivamente o espírito republicano. De princípio, o mais grave é constatar que as instituições republicanas brasileiras, caldeadas pela filosofia positivista da elite militar que afundou a combalida nau da monarquia, sempre foram muito frágeis em face do mando das oligarquias, do patrimonialismo e do paternalismo político, elementos estes absolutamente antagônicos à noção da república. Com efeito, de 1889 a 1930 teve o Brasil a chamada “República Velha”, marcada inicialmente pelo poder autocrático dos militares, cujo melhor exemplo foi o marechal Floriano Peixoto, pretensa versão tupiniquim do marechal prussiano Otto von Bismarck. A diferença é que Bismarck foi um grande estadista. Já Floriano, embora tenha consolidado a nova ordem catalisada na Constituição de 1891, governou com motins e sedições (de 23 de novembro de 1891 a 15 de novembro de 1894), com orientação nacionalista e centralizadora a partir da implantação de uma ditadura de salvação nacional.

 Quando decretou estado de sítio, em abril de 1892, Floriano Peixoto prendeu e desterrou seus opositores para a Amazônia. O advogado Rui Barbosa impetra habeas corpus (o famoso Habeas Corpus nº 300/STF) em favor do Senador Almirante Eduardo Wandenkolk e outros cidadãos, indiciados por crimes de sedição e conspiração, presos ou desterrados em virtude de decretos expedidos pelo Vice-Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, na função de Presidente. Segundo consta do sítio do STF, Rui fundamentou o pedido “na inconstitucionalidade do estado de sítio e na ilegalidade das prisões ocorridas, umas antes de decretado o estado de sítio, outras, depois de terminada a sua vigência, quando devem imediatamente ser restabelecidas as garantias constitucionais”. Informado, o marechal Floriano ameaçou o STF asseverando: "se os juízes concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão". O STF negou o habeas corpus por dez votos a um.

 A partir da saída de Floriano, a República Velha se pautou pela política das oligarquias agrárias de São Paulo e Minas Gerais, a política do “Café com Leite”, que teve fim com a emergência de uma nova elite industrial e financeira eminentemente urbana e com a insatisfação da jovem oficialidade do Exército, que constituíram a base da chamada “Revolução de 30” e entronizou no poder federal o gaúcho Getúlio Vargas, como ditador, por quinze anos, período conhecido como do “Estado Novo”.

 Os dezenove anos seguintes (1945-1964) da República, à exceção do governo Dutra (1946-1951) que gozou de estabilidade política, foram conturbados e culminaram com a instalação de mais uma ditadura em março de 1964 e que duraria mais vinte e um anos, período caracterizado pelos governos dos militares que, embora mantendo em funcionamento algumas instituições republicanas como fachada, o espírito republicano esteve ausente na condução desses governos que suprimiram as liberdades civis, amordaçaram o Congresso Nacional e intimidaram o Poder Judiciário quando impostas as aposentadorias compulsórias de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva) pelo Ato Institucional nº 5 (em 16 de janeiro de 1969), além das aposentadorias voluntárias dos ministros Antônio Gonçalves de Oliveira e Antonio Carlos Lafayette de Andrada, em solidariedade aos colegas compulsoriamente aposentados. Registre-se, ainda, a aposentadoria do ministro Adaucto Lúcio Cardoso em 18 de março de 1971, após o episódio da sessão ocorrida oito dias antes (Em 1971, o STF julgou constitucional a lei da censura prévia, editada pelo Governo Médici. Vencido o Ministro Adauto Lúcio Cardoso manifestou sua indignada repulsa diante daquela decisão, despiu sua capa. atirou-a em sua curul e abandonou acintosamente o recinto, segundo narra Evandro Lins e Silva no seu “O Salão dos passos Perdidos”).

 Nunca o Brasil esteve tão perto de colimar certo modelo republicano, quanto após o advento da Constituição de 1988. Alguns solavancos começam a preocupar, principalmente na rota de colisão que se apresenta entre o Supremo Tribunal Federal e os outros poderes da República. Afinal, para o segmento político mais conservador – aquele chamado pelo marechal Castelo Branco de “vivandeiras alvoroçadas a rodar os bivaques dos granadeiros” – a salvação da República estaria nas togas e não mais nas fardas. E o sábio Marcus Tullius Cicero passa a ser lembrado: “Que as armas cedam à toga, o triunfo militar à glória cívica.” Para Cícero, a toga era o símbolo da República e não era necessariamente o pálio dos juízes, mas, dos estadistas.

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