A RAZÃO
ATROPELADA
Paulo Afonso Linhares
Findo o julgamento em plenário do processo do Mensalão e a despeito de sequer haver ainda
a publicação
da decisão,
já
a "canaille" urra pela prisão
imediata dos condenados. Depois de publicada a sentença no Diário Oficial, têm os condenados o direito dela
apelar, como é garantido a qualquer condenado
criminalmente. Somente após
julgada as apelações
dos réus
e quando dela não
mais couber qualquer recurso - momento em que se opera a coisa julgada -
inicia-se o cumprimento da pena imposta individualmente pelo STF aos
condenados. Qualquer possibilidade de sair desse figurino será suprimir direitos fundamentais dos réus.
No esforço de manter suas ações
sob intenso bafejo midiático
o procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, tem lançado
mão
de chicanas jurídicas
dignas dos antigos rábulas
de aldeia. Assim foi que, no começo
da Ação
Penal 470 (também
conhecida como "processo do Mensalão")
ele requereu fossem os réus
condenados imediatamente presos. No entanto, na sessão final do julgamento desse processo
e diante do interesse de alguns ministros do STF em discutir se essas prisões dos condenados seriam antes ou
somente após
o trânsito
em julgado das decisões
individualmente consideradas, cujos acórdãos sequer foram publicados até agora, Gurgel surpreendeu a todos
com o pedido de desistência
do requerimento antes formulado. Ficou mais do que evidente a sua tática: em face do recesso do STF a
partir do dia 20 de dezembro, o procurador-geral da República renovaria o pedido para ser
apreciado unicamente (ou "monocraticamente", como dizem os operadores
do Direito...) pelo atual presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, que,
imagina o chefe do Parquet, concederia a medida mesmo antes dos réus
do Mensalão
tomarem conhecimento das sentenças
condenatórias,
repita-se, ainda não
publicadas.
Apesar da veemência das diatribes do ministro
Joaquim Barbosa contra os réus
do Mensalão,
nos votos que proferiu, dificilmente ele se aventuraria no cometimento de uma
ilegalidade dessa magnitude, mormente porque se evidenciou a intenção do Ministério Público de subtrair essa questão (da prisão ou não desses réus) da apreciação do plenário do Supremo Tribunal Federal que,
segundo avaliação
dos profissionais que cobrem as atividades daquele, votaria
desfavoravelmente à razão de 6 contra e 3 a favor (somente
poderiam votar, neste momento apenas 9 ministros).
Ora, qualquer réu condenado criminalmente somente tem
a execução
de sua pena iniciada quando a sentença
condenatória
não
couber mais qualquer recurso (quando se diz que a sentença está com "transito em
julgado"). Sem a autoridade da coisa julgada ("autoritas rei
judicata"), a execução
da pena não
pode ser implementada pois configuraria inafastável violação ao princípio (do contraditório) e da ampla defesa com os
recursos a ela inerentes. Ressalte-se que os réus são primários e de bons antecedentes
criminais, pelo que fazem jus a recorrer em liberdade, como ocorre com qualquer
pessoa condenada crime punível
com reclusão,
ou seja, aquelas pessoas bem comuns, que não
tem qualquer notoriedade.
O filósofo grego Epicuro de Samos (341-270 a.C.) alude que "[...] A serenidade espiritual é o fruto máximo da justiça." E
deve ser mais serena a Justiça quanto mais importante for o
tribunal que sob os seus desígnios
atua. O Supremo Tribunal Federal há
de ser, sempre e sempre, o grande azimute do Judiciário brasileiro, de modo que suas
decisões
sejam balizas para os tribunais e juízos
inferiores. Dai não
poder julgar sob o influxo da sedução
da mídia,
atropelando garantias constitucionais de todos os cidadãos, sob pena de se generalizar aquela
ameaça tão
bem descrita em (sufocante) trecho do poema
"No caminho com Maiakovski" do poeta brasileiro Eduardo Alves
da Costa (errônea
e injustamente atribuído
a Bertolt Brecht e/ou Vladimir Maiakovski): "Na primeira noite eles se aproximam/ e roubam uma flor/do nosso
jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem;/ pisam as flores,/
matam nosso cão,/ e não dizemos nada./ Até que um dia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa
casa,/rouba-nos a luz, e,/ conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz da
garganta./ E já não podemos dizer nada." Serenidade e muita calma nesta hora.
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