domingo, 2 de março de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

STF: UM NOVO DESENHO

Paulo Afonso Linhares

As massas são maniqueístas – embora não sejam assim tão bobas – na medida em que melhor entendem as polarizações do tipo bem versus mal ou mocinho contra bandido. Numa abordagem mais lúdica é dizer que tudo seria como os clássicos do futebol: Flamengo x Fluminense, Cruzeiro x Atlético Mineiro, ABC x América ou Potiguar x Baraúnas. No entanto, como “a vida não se resume a festivais”, como diria o inolvidável Geraldo Vandré, os confrontos futebolísticos são insuficientes para algumas coisas da vida, sobretudo, alguns embates que se travam no plano ideológico-institucional, a exemplo do quiproquó envolvendo o irascível ministro Joaquim Barbosa e alguns dos seus colegas do Supremo Tribunal Federal, ao ensejo do julgamento dos embargos infringentes impetrados por oitos dos réus da Ação Penal nº 470, o famoso processo do Mensalão.
Vencido em sua tese de que havia um crime de quadrilha, o ministro Barbosa, presidente da mais alta Corte desta República, desceu a chibata (verbal) sobre aqueles que votaram pela absolvição dos réus, um agir completamente incomum no âmbito dos órgãos judiciais colegiados, onde é regra de ouro o respeito à opinião de cada julgador, mesmo porque estaria esta acobertada pelo “princípio da livre convicção” do juiz, ou seja, a postura individual do magistrado que compõe um colegiado será sempre a expressão por excelência do seu livre convencimento acerca do direito e dos fatos que envolvem a causa em julgamento.
A verdade é que o ministro Joaquim Barbosa, detentor de belo currículo compatível com uma história de vida de enormes superações, assumiu postura arrogante e de muita intolerância quando refutou os seus colegas, mormente no tocante ao voto do ministro Luís Roberto Barroso que, arrostou as invectivas do presidente do STF com uma serenidade enorme e não menos preocupante, porquanto interpretável por alguns como gesto medroso e denotativo de postura meramente defensiva.  Enfim, quem ganhou o debate? Joaquim Barbosa, travestido de paladino da justiça, ou o ministro Barroso, inabalável na disposição de serenamente nada revidar, “matando do cansaço” o seu opositor?
Bem, nem é preciso exibição de algum verniz de civilidade para compreender que o ponto saliente dessa questão não é saber quem é melhor e cuja opinião seria a mais escorreita, mesmo porque jamais seria possível um padrão sério para avalia-los. Cada um “vende seu peixe”, tem suas circunstâncias, que merecem respeito. Quem é melhor? Bobagem. Não há um critério uniforme para aferir isso, nem é assim tão necessário colocar a “vexata quaestio” nestes parâmetros. Claro, é bem certo que nessas trocas de sopapos (verbais, bem entendidos) entre ministros do vetusto STF, o ministro Barbosa tem aparecido como um verdadeiro “bulldozer” que não livra a cara de quem quer que seja para fazer valer sua opinião, tanto que já mediu forças em duros combates  contra os ministros Gilmar Mendes (seu contemporâneo na graduação da prestigiosa Universidade de Brasília), além dos ministros Marco Aurélio Mello e Eros Roberto Grau, este um dos mais respeitados juristas brasileiro na atualidade.
O que resta de positivo desta história toda é que o manequim institucional desse que é o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, a clé de voûte” (ou “chave de abóbada”, na expressão de língua portuguesa), o mais importante tribunal do Brasil que é o Supremo Tribunal Federal, não tem mais sentido e precisa ser reestruturado, algo sim que transcenda a simples aparência e possa resgatar o projeto da corte constitucional brasileira que os constituintes de 1988 não tiveram coragem de levar à frente. Agora é inadiável seja feito um redesenho do STF, para adaptá-lo ao moderno conceito de “corte constitucional”. Com efeito, quando o ministro Barbosa disse que o seu colega Luís Roberto Barrosa teria trazido “o voto pronto”, insinuando que este somente entrara no STF para atender aos interesses do governo petista, agiu como se a sua própria investidura tivesse sido diferenciada na essência e não foi: todos os ministros da Corte maior do país são frutos de escolhas pessoais do presidente da República, embora sujeitas à aprovação do Senado Federal. E o ministro Barbosa não foi exceção, para o bem ou para o mal, posto que tenha surpreendido – e muito – o seu patrono, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teimosamente queria nomear um ministro negro para o STF, decerto para resgatar alguma parcela da enorme dívida que a sociedade brasileira tem para com os afro-descendentes, cujos ancestrais foram arrastados de seus lares africanos e reduzidos à escravidão no Brasil colonial.
De princípio, essas escolhas deveriam ser divididas com outros poderes do Estado e entidades de classe, da seguinte forma: três indicados pelo Executivo, três pelo Legislativo e três pelo Judiciário, um pelo Conselho Nacional do Ministério Público e outro pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para mandatos de oito anos, proibida a recondução. Poderia até continuar com o pomposo nome de “Supremo Tribunal Federal”, embora “Tribunal Constitucional” pudesse soar bem melhor, coadunando-se mais com o espírito republicano. Por fim, desse tribunal seria retirada toda a competência ordinária que ainda resta ao atual STF, fazendo valer a ideia de um órgão que possa exercer verdadeiramente o que se entende por jurisdição constitucional. Assim, talvez, livrassem a nação de deprimentes espetáculos de agressões e bate-bocas, como os vistos nestes tempos  com todas as cores televisivas e os detalhamentos instantâneos da Internet.  

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