domingo, 23 de março de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

O TÉDIO E A POLÍTICA
Paulo Afonso Linhares
Um dos mais geniais e não menos intrigantes romances escritos, “As memórias póstumas de Brás Cubas”, lido quando ainda era bem jovenzinho, uma criança mesmo, para falar a verdade, deu-me a exata dimensão psíquica do tédio com a frase “volúpia do aborrecimento”, cunhada por Machado de Assis com fino metal do pensar nietzschiano. E nem havia, ainda, tomado contato com aquele sentido do spleen utilizado pelo poeta Charles Baudelaire para expressar  de forma superlativa o tédio que se mescla de medo, desengano, fastígio, enfim, do mal que finda por avassalar o coração do homem em sua humana tragédia da modernidade, na vivência urbana como um ser da pólis. Afinal, “[...] Mergulhar ao fundo do abismo, Inferno ou Céu, que importa? Ao fundo do Desconhecido para encontrar o novo!” - como canta Baudelaire, tediosamente esperançoso, no último poema d’As Flores do Mal.
Ao que parece, é essa “volúpia do aborrecimento” que acomete ponderável segmento da população brasileira, a tirar pelo que concluiu recente sondagem de opinião patrocinada pela Confederação Nacional dos Transportes e realizada pela MDA Pesquisa: 58,1% das pessoas entrevistadas não se interessam pela disputa presidencial que se avizinha, nestes 2014, na medida em que 19,2% não apontou preferência por nenhum candidato e 38,9% disse não saber ou não respondeu. Significativas parcelas da sociedade brasileira, sobretudo, as conhecidas “camadas médias” que vivenciam o cotidiano dos tantos dramas dos grandes centros urbanos, começam a perder confiança nas soluções de magnos problemas sociais - precária assistência à saúde, educação básica deficiente, alarmantes índices de violência urbana e crescimento da criminalidade, desemprego cada vez maior e péssimo desempenho da economia nos últimos anos (de 2010 a 2013) – no âmbito da esfera pública. Claro, muita água vai rolar por debaixo da ponte deste ano de 2014. De repente, com as campanhas eleitorais nas ruas, é possível que a parcela adormecida do eleitorado se envolva mais no processo político.
A verdade é que à maioria das pessoas não importa efetivamente a cor do gato, se branco, preto ou pardo, senão se efetivamente ela pega ratos, para reproduzir a polêmica assertiva do líder chinês Deng Xiaoping que quase lhe custa a cabeça. É mais ou menos assim que os cidadãos brasileiros do meio urbano encaram as políticas e as variadas ações estatais. Aliás, um quarto de século depois da entrada em vigor da atual Constituição, as pessoas começam a entender que soluções mágicas para os seus problemas concretos e recorrentes não existem.
Assim, de pouco adianta dizer que a saúde é direito de todos e dever do Estado, ou que toda a população infanto-juvenil tem acesso à escola de qualidade, embora seja este o discurso constitucional. A retórica incrustrada em certas regras constitucionais não resiste aos frágeis apelos da realidade e se desmonta como um castelo de cartas. Na verdade, ocorreu um fenômeno muito interessante quando do processo constituinte de 1988: cada segmento da sociedade brasileira pretendeu transportar para o seio da Constituição as disposições que lhe garantiriam, enquanto grupo social, certas prerrogativas.
O resultado não foi assim tão animador: a Constituição ficou volumosa e, em certos pontos, de difícil efetivação. O mais grave é que aquilo poderia ser tido como conquista, num primeiro momento, depois de passados vinte e cinco anos, se transformou em retrocesso, em gol contra. A certeza de que, por exemplo, o voto direto e secreto resolveria tudo, ademais do poder mágico de transformação das estruturas políticas hauridas das urnas, não passam de mitos nos quais nem as crianças mais bobinhas acreditam.
O desânimo do cidadão-eleitor captado pelas lentes da pesquisa CNI-MDA é perigosamente real. Será que a política começa tediosamente a aborrecer? E se o voto fosse facultativo – como deveria! – poderia projetar uma grande abstenção? Bem, para questões deste jaez somente o tempo trará respostas satisfatórias. No mais, é ter paciência e esperar para que o melhor aconteça. Sem volúpia qualquer de aborrecimento algum. Tudo para manter o fio de esperança de encontrar o novo, mesmo tendo que ir ao fundo do desconhecido, como aconselha o poeta. Nada demais, apenas cismas domingueiras.

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