PERIGOSOS ATALHOS
Paulo Afonso Linhares
No último dia 26 de outubro, o Brasil realizou uma das maiores eleições do planeta, quando compareceram às urnas 105.542.273 eleitores para escolher o presidente da República para o quadriênio que se inicia em 1º de janeiro de 2015. Aliás, diga-se de passagem, a despeito do tom acalorado e muitas vezes agressivo dos debates entre os candidatos à presidência e a alguns governos estaduais, no segundo turno o pleito foi absolutamente pacífico e sem maiores incidentes, merecendo especial destaque a excelente, precisa e eficaz atuação da mega estrutura montada pela Justiça Eleitoral, que de modo eficiente e retilíneo fez efetivos os preceitos legais que regulam os diversos aspectos da campanha e do processo eleitoral, sobretudo, para garantir a expressão concreta da soberania popular aludida no caput do artigo 14 da Constituição da República.
Sob o influxo das pesquisas de opinião, que serviram a todos os gostos, desgostos e apetites, ademais dos fortes bombardeios midiáticos contra a candidata à reeleição Dilma Rousseff, patrocinado pelos grandes veículos de comunicação, a eleição presidencial chegou meio indefinida nos albores da votação do dia 26 de outubro, inclusive pelo acirramento visível em todo país dos confrontos entre partidários das candidaturas presidenciais, embora tenham as sondagens feitas pelos maiores institutos de pesquisa (Ibope, Datafolha, Vox Populi etc.), nos últimos dias, já apresentassem números, postos que modestos, que apontavam uma vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores e seus aliados, com a recondução da atual presidente da República ao comando supremo do Estado brasileiro.
Deu Dilma na cabeça, como se fala na gíria das ruas. Em números finais celeremente conhecidos, graças à eficiência dos sistemas adotados pela Justiça Eleitoral brasileira, que é um bom exemplo para o mundo, Dilma Rousseff obteve 54.501.118 votos (51,64%) e seu adversário, Aécio Neves, recebeu 51.041.155 votos (48,36%), resultando numa maioria de 3.459.963. No duelo que travam há duas décadas, PT e PSDB, os números favoreceram o primeiro, embora não tenha havido mudanças mais visíveis nas composições do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a não ser a perda de cadeiras por parte dos maiores partidos, porém, os nove partidos da coligação que apoiou Dilma Rousseff vão ocupar 65% das cadeiras do Senado e 59% das cadeiras da Câmara dos Deputados. O PMDB, o PT e o PSDB são os partidos com maiores bancadas, nas duas Casas do Congresso. Quanto aos governos estaduais, o PMDB fez sete, o PT cinco, o PSDB cinco, o PSB quatro, o PSD dois, o PDT dois, o PC do B fez um e o PP elegeu a única mulher (Suely Campos, de Roraima). Prevaleceu um bom e saudável equilíbrio de forças político-partidárias.
Apesar do visível cenário de “balanços e contrapesos” dessas forças políticas que emergiram das urnas de 2014, os partidários da candidatura Aécio Neves, inclusive seus poderosíssimos aliados midiáticos, têm mostrado grande insatisfação com os resultados, quando falam em “país dividido” ou nos pequenos percentual da maioria obtida pela presidente eleita. Bobagem. A insatisfação é até legítima, desde que não coloque em cheque as bases do processo democrático. Não é o que fez a direção do PSDB, no último dia 30 de outubro, quando requereu ao Tribunal Superior Eleitoral uma “auditoria especial” no resultado da eleição presidencial, em face de ter surgido nas redes sociais principalmente, logo que anunciada a reeleição de Dilma, “uma somatória de denúncias e desconfianças por parte da população brasileira”. Como se vê, algo bem vago e sem apontar nenhum fato relevante e hábil a comprometer a lisura do processo eleitoral.
Em derradeira análise, a ação proposta pelo PSDB terá como réu muito mais a própria Justiça Eleitoral do que Dilma e os partidos que a apoiaram. Enfim, os tucanos terão a difícil tarefa de convencer os ministros do Tribunal Superior Eleitoral que a enorme máquina montada para a realização das eleições de 2014 falhou por completo no segundo turno do pleito presidencial. Coisa difícil de convencer, até porque a Justiça Eleitoral agiu com eficiência e, sobretudo, com absoluta independência em suas decisões. Quanto a isto, nada a reparar.
Talvez, quem sabe, não esperam que, num passe de perversa magia jurídica, todos ou a maioria dos sete ministros do TSE resolvam substituir os mais de 54 milhões de eleitores que sufragaram o nome de Dilma? A sociedade brasileira ainda abriga, lastimavelmente, uma forte cultura autoritária e democraticida: as vivandeiras alvoroçadas e descontentes com a derrota nas urnas do projeto representado por Aécio, já rodam ferozes os bivaques dos granadeiros, vistam estes fardas ou togas, pouco importa. E pode ser mais um perigoso e cruel atalho a ser lastimado por décadas. Infelizmente, já vimos essa desbotada e bolorenta fita.
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