domingo, 9 de novembro de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

O STF E A "PEC DA BENGALA"

Paulo Afonso Linhares

O resultado da eleição presidencial de 26 de outubro passado despertou sentimentos estranhos e contraditórios, uma espécie de esquizofrenia social, em que se alternam estados que vão da euforia, passa pelo desalento e deságua na depressão mais escura e sufocante. Alguns segmentos da sociedade, compostos por eleitores derrotados, passaram a demonstrar um comportamento agressivo e liquidacionista, como se o mundo tivesse acabado com a vitória da candidata petista. Rematada bobagem, pois, daqui a quatro anos, a alternância do poder que é um forte elixir para os regimes verdadeiramente democráticos poderá acontecer, basta ter fé que o valor permanente a ser buscado é constantemente aperfeiçoado é a democracia e que os ideais republicanos prevalecerão acima de todas objeções e conflitos que as pugnas eleitorais ensejam. Afinal, um bom consolo é ter a certeza de tudo se move, tudo passa...

No caudal de apreensões e desencantos causados pela reeleição da presidente Dilma Rousseff ressai com surpresa a exumação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC)  que amplia em cinco anos a aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), extensível para o resto da magistratura nacional, que atualmente é de 70 anos de idade. Desde sua apresentação no já distante ano de 2006, essa PEC sempre foi vista como uma aberração casuística e tendente a aprofundar o sistema de privilégios que atingem certas carreiras e instituições do Estado brasileiro, a exemplo dos ocupantes de cargos públicos vinculados às carreiras que compõem o aparato da administração da justiça, nos planos federal e estadual. O que opositores do governo Dilma pretendem é tentar impedir que esta venha a nomear os novos ministros do STF à medida em que alguns dos atuais forem atingido a idade limite da expulsória nos padrões atualmente vigentes que, repita-se, é de 70 anos, a começar pelo ministro Celso de Melo, em novembro de 2015, ademais de outros que se aposentarão até 2018.

Nos articuladores da PEC da Bengala há um sentimento de descontentamento no que se refere à nomeação pela  presidente da República do substituto do ex-ministro Joaquim Barbosa. Claro, pelas regras em vigor cabe à chefe do Executivo federal indicar o nome desse novo ministro do STF ao Senado Federal – obedecidos que sejam os requisitos e o procedimento previstos na Constituição da República. Sem dúvida, podem não ser esses os mais justos escorregões, mas, são os escolhidos pelo constituinte de 1988. Ora, melhor seria que o Supremo Tribunal Federal fosse, em toda sua extensão, uma verdadeira corte constitucional, a exemplo daquelas experiências vitoriosas  de alguns países da Europa ocidental, como a Alemanha, Holanda ou Espanha. Neste caso, os seus juízes não seriam jamais vitalícios e sujeitos à solitária escolha do presidente da República, mesmo porque a sabatina do Senado Federal dificilmente contraria a indicação vinda do Palácio do Planalto, sendo tão somente uma mero "rito de passagem".

É muito salutar que as instituições jurídico-políticas e, sobretudo, a sociedade brasileira, possa discutir e mesmo modificar a forma de investidura dos juízes que compõem a sua corte mais importante. No entanto, nos parâmetros atuais, a aposentadoria compulsória do servidor público aos 70 anos não deixa de ser oportuna, a despeito da elevação da expectativa de vida da população. Com efeito, qualquer prospecção de dados acerca de servidores atingidos pela expulsória seguramente vai mostrar que, em média, estes laboraram, no mínimo, por cerca de 45 anos. Ultrapassar os 70 anos de idade no serviço público ativo nem é bom para o servidor nem para a Administração Pública, que precisa de ter seus quadros renovados. Aliás, não seria nada razoável houvesse duas regras de aposentadoria compulsória: uma para os ministros do STF (decerto extensível às outras classes de magistrados) e outras para os demais servidores públicos.

Noutro ângulo de análise, é importante seja banido destas paragens tupiniquins o péssimo vício da casuística, traduzido em mudanças das regras postas para acomodar situações singulares e de cunho subjetivo. As mudanças no processo de escolha dos ministros do STF não podem ser tratadas à luz de situações concretas, mas, como resultantes das discussões travadas na sociedade e nos diversos escalões do próprio Estado, no natural processo de evolução das instituições e perfeito compasso com os anseios sempre em renovação da comunidade de cidadãos. Fora disto, é mero lixo político e falta de imaginação. Lastimável.

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