PRECARIZAÇÕES
DA CIDADANIA
Paulo Afonso
Linhares
A implantação
do Estado Democrático de Direito, ocorrida há 26 anos com o
advento da Constituição de 1988, inegavelmente sedimenta uma
cultura cidadã que, ao menos do
ponto de vista formal, tem como azimute o respeito à dignidade da pessoa
humana. Na prática, contudo, paradoxalmente é cada vez mais
perceptível a adoção
pelo Estado brasileiro, nos seus três níveis
(União, Estados-membros/ Distrito Federal e
Municípios), de políticas
e ações que de modo crescente impõem
precarizações ao exercício
da cidadania, em vários domínios da existência.
Imprescindível, nos dias que correm, seja
repensado o papel do Estado em confronto com o elenco de direitos e garantias
fundamentais do cidadão.
O grave é que essas atitudes
precarizantes da cidadania têm como alvo aquela
faixa da população de maior dinamicidade econômica,
que corresponde aos que os cientistas sociais denominam de camadas médias. Sem dúvida
é a classe média,
para usar o jargão popular, que detém
maior capacidade de consumo, que "forma opinião"
e decide os rumos políticos da nação.
A despeito disto, porém, nas casas legislativas brasileiras,
com especialidade no Congresso Nacional, cuja competência
legiferante de cunho privativo é amplíssima conforme se vê no artigo 22 da
Constituição Federal, cresce a produção
de um vasto arsenal normativo que impõe ao cidadão
comum deveres e prestações, sejam de cunho administrativo
sejam de caráter tributário,
que transtornam a vida e, sobretudo, causam consideráveis
comprometimentos das rendas e dos patrimônios individuais.
Para as diversas
estirpes de burocratas encarapitadas na Administração
Pública direta e indireta das três
esferas de poder federativo, o cidadão médio
é sempre visto como
um ser "tosquiável", a quem se deve cumular de
deveres cada vez mais gravosos, sentimento malsão este
compartilhado pela maioria dos legisladores (senadores, deputados federais e
estaduais/distritais e vereadores), aos quais cabem, no âmbito
de suas competências, construir as arapucas legais
que dão esteio a essas ações
prejudiciais à vastos segmentos da
população.
Veja-se, por
exemplo, a imposição crescente de gravames impostos aos
condutores/proprietários de veículos
automotores: como se não bastassem o imposto (IPVA) e as
taxas escorchantes que pagam anualmente, são molestados por inúmeros
aparatos de fiscalização eletrônica - especialmente os ditos "pardais"
- que são colocados nas
vias urbanas e nas rodovias com o objetivo único de captação
farta de recursos através das multas que inevitavelmente
"vitimizam" condutores de veículos automotores e
servem ao propósito pouco republicano de encher os
bolsos de alguns espertalhões, merecendo
ressaltar que essas atividades são exploradas por
empresas privadas que montam essas ratoeiras para extorquir do cidadão.
As punições impostas aos condutores de veículos
em nada educam ou melhoram o trânsito, ademais da
circunstância de que parte substancial dos
recursos arrecadados servem a propósitos inconfessáveis
e podem alimentar redes de corrupção. Essa prática
de repete em várias outras atividades estatais,
inclusive as tais de "regulação" exercidas
por poderosas agências estatais, criadas aos montes nas
últimas três
décadas,
do tipo ANA, ANP, ANATEL, ANTT,
ANAC, ANS, ANEEL, ANTAQ, ANVISA, ANCINE etc.
Certo é que o exercício
do poder de polícia - que nada tem a ver com a função
policial, ostensiva ou judicial - cada vez mais intenso e diversificado no
caudal do intervencionismo estatal, ao lado das atividades desenvolvidas pelas
máquinas tributárias
federal, estadual, distrital e municipal, constituem fortes motivos para aporrinhar cidadãos
deste país, achacados que são
de múltiplas formas por um Estado
onipotente, voraz e hipertrofiado,
ademais de gastador e incompetente, uma tradução do mitológico
monstro Leviatã. Assim, comparativamente, a alegoria
da mordida do Leão do Imposto de Renda, tão
forte no passado, hoje não passa de coisa de trombadinha.
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