TEATRO DA POLÍTICA EXTERNA
Muita viagem, pouco dinheiro
Um levantamento aponta que a maior parte
das embaixadas criadas na era petista
não trouxe resultados comerciais ao Brasil
Ana Clara Costa (Revista Época)
10/03/17 - 20H25
NÃO VINGOU
Quando, em abril de 2005, o então presidente Lula viajou por cinco países africanos, ainda não havia indícios concretos de que plantava as sementes de uma agenda de política externa megalomaníaca. Não era a primeira vez de Lula na África. Mas, naquela ocasião, ele conseguiu mostrar a líderes do continente os resultados do que acreditava ser sua fórmula para tirar brasileiros da pobreza. Prometia que a África colheria resultados sociais semelhantes se avançasse nas trocas comerciais com o Brasil. Em sua primeira parada, em Camarões, Lula reativou a embaixada brasileira na capital do país, Yaoundé. Firmou acordos de cooperação comercial e em educação e houve até quem falasse na criação de um voo direto para o Brasil. O resultado foi pífio. O presidente de Camarões, Paul Biya, só retribuiu a visita cinco anos depois. O tal voo direto não existe. Pior de tudo, as trocas comerciais Brasil-Camarões recuaram 51,9%, quando se levam em conta as exportações e o fluxo comercial.
Com base em dados inéditos enviados pelo Itamaraty, um relatório produzido na Comissão de Relações Exteriores do Senado aponta que, 12 anos depois de sua reativação, a Embaixada de Camarões é uma estrutura ineficaz. Não só ela, mas também outras 22 das 44 representações diplomáticas abertas pelos governos petistas a partir de 2003. A lista de embaixadas ineficazes, que não consta do relatório oficial aprovado pela comissão em dezembro passado, foi obtida com exclusividade por ÉPOCA – e inclui não só países da África, como também da América Latina e Europa. Segundo a metodologia, que leva em conta, além de variáveis de fluxo comercial, o tamanho do país, a população, o número de brasileiros em seu território, os gastos do Itamaraty e os empréstimos do onipresente Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o retorno econômico ficou negativo em 157% no caso do Togo, na África, e 126% na Ilha de Santa Lúcia, no Caribe. Na Bósnia, houve queda de 27% nas trocas comerciais; na Albânia, a variação foi zero.
A criação de embaixadas é um instrumento usado não apenas com fins comerciais, mas com objetivos mais amplos numa estratégia de política externa. Antes de propagandear as virtudes das empreiteiras brasileiras, como a Odebrecht, o objetivo de Lula ao criar embaixadas por aí, especialmente na África, era conquistar apoio político para o Brasil pleitear uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Valia tudo, tanto que sete das 44 representações têm apenas um funcionário. Como boa parte dos audaciosos planos da gestão petista, esse não deu certo. Embaixadas também foram trocadas por apoio em disputas por cargos em órgãos multilaterais. O Brasil abriu, por exemplo, a representação na Ilha de São Vicente e Granadinas – 100 mil habitantes, o equivalente a um terço do bairro da Vila Mariana, em São Paulo –, onde o retorno comercial é negativo em 127% e atende apenas turistas em cruzeiro pela região. Quando sabatinado, em 2015, o diplomata Antonio Resende de Castro, indicado para o posto na ilha, disse que a instalação de embaixadas em países caribenhos ajudou o Brasil a conquistar posições, como a eleição de Roberto Azevêdo à chefia da Organização Mundial do Comércio, a OMC. Contudo, o levantamento mostra que apenas 25% desses países votaram pela eleição de Azevedo na OMC.
O relatório foi encomendado pelo então presidente da comissão e hoje ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB de São Paulo, e elaborado pela equipe de seu colega tucano Tasso Jereissati, do Ceará. “As embaixadas foram abertas de forma descoordenada e pouco retorno em cooperação aconteceu”, diz Tasso. “É preciso repensar, por exemplo, a necessidade de designar diplomatas para cumprir funções operacionais e de gestão em consulados.” O ministro Aloysio não quis comentar se pretende usar o estudo para embasar futuras decisões.
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O consultor de políticas públicas Humberto Laudares, que produziu o relatório, afirma que a recomendação não é para que o Itamaraty necessariamente se desfaça das representações ineficientes. Mas que elas funcionem de forma mais barata, com estrutura menor. “Há certa indisposição diplomática quando se fecha uma embaixada”, afirma Laudares. “Mas a gravíssima situação fiscal do Brasil requer medidas duras, que a maioria dos países entende. Afinal, é o contribuinte brasileiro que financia tudo isso.” Laudares contabilizou alguns casos de sucesso entre investidas diplomáticas de Lula na África. Em Serra Leoa, por exemplo, as trocas comerciais avançaram 68% desde que a embaixada foi criada, em 2012.
O embaixador e ex-ministro Rubens Ricúpero reforça a importância de o Senado reavaliar a função do Itamaraty e sua eficácia na execução da política externa. Contudo, pondera que há casos em que o retorno não pode ser medido objetivamente, como o da embaixada na Coreia do Norte. “Há muitos casos em que a abertura de embaixadas se resumiu a hastear uma bandeira. Mas há casos em que há um componente estratégico, que independe das trocas comerciais, como é o caso da Coreia do Norte”, diz. O plano de avaliação executado pelo Senado, segundo Ricúpero, deveria ser ampliado para todos os órgãos da administração federal. “É preciso que haja metas a serem cumpridas, mesmo em um órgão diplomático, como o Itamaraty. E, se não houver o cumprimento das metas, que os postos sejam fechados. Países em crise fazem isso. É normal”, afirma.
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